quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

ALERTA VERMELHO

Antes que qualifiquem o blogueiro de "meio urubu, meio hiena" esclareço: o governo federal parece ter-se dado conta, finalmente, da gravidade da crise internacional. Palavras do presidente da República, hoje na Folha de São Paulo: "A crise é muito séria e tão profunda que nós ainda não sabemos o tamanho".

E começa a se mover, atabalhoadamente como de praxe, mas um avanço em relação ao imobilismo apavorado e a inércia incompetente que caracterizaram os últimos meses. É exatamente nesta atual quadra que o governo petista de Lula tem que mostrar a que veio. Até aqui a conjuntura (especialmente a externa) foi-lhe extremamente benevolente. Apenas a título de comparação, o governo que o antecedeu enfrentou meia dúzia de crises externas, de menor intensidade, mas de igual potencial para transformarem-se em desastres internos. Quase uma crise por ano...

Não sou propriamente um admirador do período FHC, embora reconheça importantes reformas institucionais (principalmente no campo econômico) iniciadas ou consolidadas naquele governo. Algumas delas mantidas no atual governo. Mas de modo geral, considero medíocres os anos FHC (em matéria de desempenho e realizações) e fui oposição a eles desde que o sociólogo resolveu jogar sua biografia no lixo, patrocinando a própria reeleição.

Bem, desde o "início dos tempos" (ou a "origem do mundo") o país enfrenta, periodicamente, restrições externas - que os economistas gostam de chamar de "crises cambiais". Não é diferente desta vez e temos longa expertize na matéria. Não, a ministra-chefona da Casa Civil não tem razão: o país está menos vulnerável, mas muito longe de estar blindado. E, a rigor, é só uma questão de tempo para a crise cambial aflorar.

Vamos aos dados:

1) O país fechou o Balanço de Pagamentos em 2008 com um déficit em "transações correntes", nada desprezível, de 28,3 bilhões de dólares. E a deterioração das contas externas já era evidente desde o primeiro semestre. Nada indica que este quadro possa melhorar no curto prazo: os capitais continuam em fuga, as exportações caem em volume e preços e, portanto, novos déficits deverão ocorrer ao longo dos próximos meses. Como falei, uma questão de tempo.

2) O superávit fiscal do governo central foi mantido na casa dos 2% do PIB (o primário chegou a 4%), mas também com trajetória declinante e ao custo de escorchante carga tributária. Ora, aí também não existem milagres: a forte (e, até certo ponto, inesperada) desaceleração econômica cuidará de reduzir as receitas e a incompetência cuidará de elevar os gastos, principalmente os correntes.

Vejamos algumas medidas desconexas que começam a aparecer:

1) O governo emitiu e depois revogou medida que exigia licença prévia para importações de cerca de 3.000 produtos. Alguns jornais informaram que baseava-se em modelo que vigorou nos anos 70. A rigor, é bem anterior e remonta à Instrução 70 da SUMOC (Superintendência de Moeda e Crédito, antecessor do Banco Central), baixada nos anos 50. O ministro Mantega falou que a medida de seu colega Miguel Jorge "foi mal entendida". Bem, acho que temos um novo sinônimo para "cagar na saída"...

2) O governo aportou R$ 100 bilhões no BNDES para financiar o setor privado. Resta saber se este demandará os tais recursos... (mas a turma que mama no PAC gostou. Ô se gostou!)

3) O governo cortou R$ 37,2 bilhões no orçamento desse ano, mas nada em matéria de gastos com pessoal e transferências. Ao contrário, o salário mínimo terá forte ganho real (rebatendo sobre as contas da Previdência) e o Bolsa-Família foi turbinado.

Sem margens externa e interna a ocupar restará a intervenção direta no regime cambial e os gastos diretos na tentativa de se manter o nível da demanda agregada. Também aí os limites são óbvios e os economistas são pouquíssimo inovadores; todos os bancos já trabalham com projeções de crescimento abaixo de 1% do PIB. Por enquanto...

Por fim, mais um ig-comentarista (André Perfeito. Putz, que nome...): "O que podemos apontar, no sentido de auxiliar nossos clientes a planejar seus investimentos, é que a desaceleração econômica é generalizada, mas há, no entanto contra-tendências. Quero ressaltar aqui apenas uma. O Governo Federal tem agido fortemente para manter a demanda agregada (consumo e investimento) elevados de forma artificial na esperança de reanimar a economia como um todo, e de criar uma ponte entre o momento atual de crise e a retomada da atividade no futuro. Este tipo de ação faz muito sentido em momentos de crise, e esse expediente é amplamente utilizado por todos os países." (mais aqui)

Só esperemos que não seja como as pontes da antiga "ferrovia do aço", que ligavam nada a coisa nenhuma.

8 comentários:

  1. RM, muito boas as suas observações, em especial à confusa, controversa e diria até incoerente série de medidas que estão sendo tomadas pelo governo daltônico. Cortar investimentos e aumentar os gastos assistenciais com o bolsa-família é ato populista desprovido de inteligência. Lá na frente pagaremos o pato. Uns antes que outros. E as medidas protecionistas editadas e revogadas? Enquanto um falou que foi equívoco, outro confessou que mudaram de ideia! Não combinam nem a desculpa!

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  2. Prezado RM:


    O dado que está mais impressionando a mim e a muitos outros analistas e observadores, na atual crise, tanto no plano internacional como no interno, é a velocidade com que os empregos estão evaporando.
    "Nunca-antes-neste-país" tantos perderam seus empregos em tão pouco tempo.
    E ontem o Henrique Meirelles anunciou em Davos que o país vai começar a torrar dinheiro das reservas para financiar o consumo. Acho isso uma loucura.
    E a contratação de novos 100 mil funcionários públicos ainda este ano, anunciada esta semana, é mais uma irresponsabilidade e falta de juízo do Lula e da sua equipe econômica.
    É só o que tenho a declarar, no momento.

    Abração,

    MR
    30/1 - 12:40

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  3. Grande japa,
    já tava pensando em fechar esse bloguinho: a única coisa que me move mantê-lo é a possibilidade do diálogo, cada vez mais rara...

    É o que você falou; um bando de porra-loucas tentando correr atrás do prejuízo. Mas o mais grave - e daí o título do post - é que a única coisa que nos separa daquelas crises do período FHC são as reservas cambiais obtidas a custa de excepcional conjuntura externa. Mas elas tendem a virar fumaça nos próximos meses...

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  4. Grande MR,
    sim, isto espantou a todos, eu mesmo cheguei a comentar aqui: o mercado de trabalho, em geral, é o último a sofrer ajustes cíclicos. Porque é caro demitir e depois contratar. Indício claro de que os empresários não pretendem contratar tão cedo. Portanto, investimentps engavetados, sine die...

    Perdeu-se ótima oportunidade, meses atrás, de promover ampla reforma administrativa e algum controle de câmbio; mas, os números da popularidade presidencial inebriam, meu caro.

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  5. Mas algum de vocês está surpreso com as providências do nosso governo ?? Queriam o quê ?? Sensatez ?? Ora vamos. Eu ficaria surpreso é se o Guido Mantega (o ministro da fazenda mais mal preparado da história da república) tivesse uma postura razoável e correta.

    Sou otimista: espero o pior.

    Abraços

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  6. Nicolau,
    nunca é tarde para esperar ao menos comando, que é o que, claramente, falta ao governo e é da exclusiva responsabilidade do presidente. Todos os movimentos titubeantes podem assim ser interpretados, porque derivam da falta de comando de Lula.

    É verdade. O ministro Mantega nunca foi um notável acadêmico, nem no campo (bastante limitado) das esquerdas brasileiras. E, consta, o ministério de Lula foi seu primeiro emprego fora da universidade. Mas é claro que há toda uma entouráge a lhe assessorar, além de interlocutores privilegiados do setor privado e da academia. O problema é que ele parece ser ruim de serviço mesmo.

    Há, mesmo no PT, outros quadros muito mais capazes que Mantega, que não obstante conta com total confiança do presidente, de quem goza de amizade há décadas. Improvável que Lula o demita e, menos ainda, que lhe suceda Meireles, substituto natural e dos poucos colaboradores do governo com experiência de mercado.

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  7. Ah, RM, meu economista preferido!

    Este seu blog é um dos mais completos da blogosfera , com pitadas de cultura e bom humor e, justamente, porque nos convida a reflexão de notícias e artigos muitas vezes desencontrados, das principais mídias com o complemento das críticas tão bem colocadas na sua visão coesa. Podemos até discordar, eventualmente, mas o importante é que o debate está sempre em voga...rs

    Assim que diante da celeuma de indicadores e tantos especialistas apontando outras soluções para o mesmo problema - para nós, pobres mortais ignorantes do economês, complicadíssimo entender, que dirá qualquer tentativa de argumentar, no entanto, encorajada pelo seu modo informal que nos torna mais “acessível” a difícil compreensão, arrisco um pitaco.

    Enquanto alguns jornais anunciam para o Brasil um desempenho melhor que o restante do mundo para 2009, conforme previsão do FMI e indicadores de que a taxa de desemprego de 2008 foi menor que a de 2007, outros focam nos índices de dezembro para pintar a coisa ainda mais preta.... Ok. Tempos difíceis vem por aí. A economia mundial terá um dos piores desempenhos da história.

    Mas, se “o impacto da redução no ritmo da atividade econômica vem da queda no consumo e na diminuição na confiança de empresas e consumidores”. E, se entre os países “emergentes, o impacto foi externo, com um colapso na exportação, na oferta de crédito de fora, que tende a piorar, e com a diminuição nos preços das comodites”, segundo o economista chefe do FMI, o francês Olivier Blanchard e se “o FMI mudou sua previsão de perda com a crise bancária de US$ 900 bilhões para US$ 2,2 trilhões”; se também o governo Bush deu tiro prá todos os lados, “improvisando, cada hora numa direção para encontrar uma saída para a crise”, e apesar dos aportes de enormes volumes de dinheiro e do novo governo parecer que não tem solução nova para o problema da instabilidade financeira; por que é que o governo brasileiro haveria de saber o que fazer e inovar?

    São tantas as críticas a este Executivo, não sem razão, diga-se, mas, ao que parece, neste ponto ninguém tem um plano consistente para resolver o problema diante de tanta incerteza.

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  8. Ah, dona Cora,
    se tenho vontade de encerrar as atividades desse chalezinho, um comentário seu funciona no sentido inverso.

    Vou tentar responder, embora o horário não seja dos mais adequados pra falar de economia...

    1) Previsões Econômicas
    Há para todos os gostos e os economistas não primam muito por acertá-las. Um caso bastante curioso é o do ex ministro Mailson da Nóbrega: ele erra todas, mas não falta quem lhe pague para fazer novas previsões, nem jornais para publicá-las...
    Sobre a questão das taxas de desemprego, não creio que seja das mais complexas. O país cresceu de forma robusta no último ano, na casa dos 5 a 6%. O nível de emprego, como seria de se esperar, acompanhou esse crescimento. Porém, tudo indica que houve forte desaceleração da atividade, em especial da industrial, no último trimestre de 2008. Como de costume, as taxas de desemprego espelharão isto nos próximos meses.
    Quanto às estimativas de crescimento, estas são periodicamente revistas, acompanhando a conjuntura que se desdobra. Apesar de se prever menos impacto nas chamadas economias emergentes, as estimativas já foram revistas. E para baixo, conforme indiquei no postinho.

    2) Interpretações sobre a crise
    Este é tema mais complexo e não se resume ao conto da carochinha da malvadeza e vilania de Wall Street. Há outros fatores importantes, a começar pelo gigantesco déficit americano nas contas externas.
    É claro que a crise é externa ao mundo periférico, mas isto não o desobriga de adotar medidas compensatórias ou adequadas à nova conjuntura. Isto ainda não ocorreu no Brasil, que continua a reboque do quadro externo. Chamo a atenção, mais uma vez, que há um limite para esta posição: quando as contas externas brasileiras deteriorarem um pouco mais, a crise vira INTERNA (e salve-se quem puder!).

    3) "Saídas" para a crise
    Você tem razão; ninguém ainda apresentou uma receita sobre o que fazer. Mas sabe-se bem o que não fazer: não fingir que a crise não existe; não adotar medidas inconsistentes; não ter um plano com princípio, meio e fim...

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