
Antonio Carlos Ferreira de Brito, o Cacaso (1944-1987), foi um dos principais ideólogos e expoentes da chamada "geração mimeógrafo" ou da "poesia maldita", que reuniu jovens poetas no início dos anos 70. Nascido em Uberaba (MG), terra adotada pelo meu amigo Marcos Rocha, ainda criança deixou Minas, mudando-se para o Rio; mas Minas não o deixou, como terão oportunidade de constatar ao ouvirem algumas de suas canções... (aqui e aqui para uma rápida biografia)
Sob o manto da poesia alternativa escondia-se, na verdade, intelectual de sólida formação (Direito e Filosofia), professor de literatura e crítico literário. Publicou diversos livros de poesia e colaborou nos famosos jornais alternativos MOVIMENTO e OPINIÃO. Suas obras completas estão reunidas em Lero-lero (Ed. 7 Letras: RJ, 2002).
Como letrista começou a compor ainda antes dos 20 anos, em parcerias com sambistas do porte de Élton Medeiros, Hermínio Belo de Carvalho e Maurício Tapajós. A seguir, seu leque de parcerias ampliou-se bastante, sendo mais frequentes Sueli Costa, Nelson Ângelo, Novelli e Edu Lobo; nas cerca de 200 letras registradas (aqui para uma seleção).
Há ampla bibliografia secundária sobre o autor, inclusive nos sites dedicados à literatura e poesia (por exemplo aqui, aqui e aqui), mas encontrar canções para postar não foi tarefa das mais fáceis. Só depois de descobrir o site da cantora Rosa Emília (aqui), segunda esposa do poeta, foi possível reunir um número razoável de músicas (e também depois de desenterrar caixas e caixas de CDs que nem me lembrava ter...). Creio que o que mais transparece na poesia do autor é o seu caráter "arredondado", justo e, ao mesmo tempo, claro e luminoso. Letra e música combinam muito bem e as idéias são tratadas com incomum clareza, fora o lirismo.
Escolhi os versos que seguem, para ilustrar:
Integração da Noite (1965)
Meu neto prolonga meu filho:
O mundo não tem conserto.
Um latido ao longe me diz que é noite:
O arrepio da memória.
Há milênios alimentamos esta fogueira.
À sombra de meu queixo
A torre transfigurada e o cão:
A língua nervosa lambendo o infinito.
Face a Face (Sueli Costa/Cacaso)
São as trapaças da sorte, são as graças da paixão
Pra se combinar comigo tem que ter opinião
São as desgraças da sorte, são as traças da paixão
Quem quiser casar comigo tem que ter bom coração
Morena quando repenso o nosso sonho fagueiro
O céu estava tão denso, o inverno tão passageiro
Uma certeza me nasce, e abole todo o meu zelo
Quando me vi face a face fitava o meu pesadelo
Estava cego o apelo, estava solto o impasse
Sofrendo nosso desvelo, perdendo no desenlace
No rolo feito um novelo, até o fim do degelo
Até que a morte me abrace
São as desgraças da sorte, são as traças da paixão
Quem quiser casar comigo tem que ter bom coração
São as trapaças da sorte, são as graças da paixão
Pra se combinar comigo tem que ter opinião
Morena quando relembro aquele céu escarlate
Mal começava dezembro, já ia longe o combate
Uma lambada me bole, uma certeza me abate
A dor querendo que eu morra, o amor querendo que eu mate
Estava solta a cachorra que mete o dente e não late
No meio daquela zorra, perdendo no desempate
Girando feito piorra, até que a mágoa escorra
Até que a raiva desate
São as trapaças da sorte, são as graças da paixão
Pra se combinar comigo tem que ter opinião
São as desgraças da sorte, são as traças da paixão
Quem quiser casar comigo tem que ter bom coração
Da lista: com Rosa Emília, Eu te Amo (Sueli Costa/Cacaso), Fazendeiro do Mar (Sergio Santos/Cacaso) e Triste Baía da Guanabara (M Tapajos/Cacaso). Com Edu Lobo, Lero-lero (E Lobo/Cacaso) e Quase Sempre (E Lobo/Cacaso). Com Milton Nascimento, Carro de Boi (M Tapajos/Cacaso) e Sem Fim (Novelli/Cacaso), lindíssima canção. Com Maria Dethânia, Amor, Amor (Sueli Costa/Cacaso). Com A Barca do Sol, Cavalo Marinho (Nando Carneiro/Cacaso). Com Djavan, Lambada de Serpente (Djavan/Cacaso). Com Tatiana Parra, Surdina (M Tapajos/Cacaso). E com Sueli Costa, Dentro de Mim Mora um Anjo (Sueli Costa/Cacaso).
.