Segundo da série (iniciada aqui), espero que gostem do tema, pois acho que postarei mais 3 ou 4 e ainda sobrarão muitos poetas, causos e belezas de Ouro Preto...
O poeta
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), poeta ouro-pretano considerado um dos maiores representantes do Simbolismo no Brasil, foi promotor de justiça no Serro e juiz em Mariana, onde morreu. Também considerado o mais místico dos poetas brasileiros "tratou em seus versos de amor, morte e religiosidade. A morte de sua noiva Constança [filha do poeta Bernardo Guimarães], em 1888, marcou profundamente sua vida e sua obra, cujos versos, melancólicos e musicais, são repletos de anjos, serafins, cores roxas e virgens mortas." [citação daqui]
Suas obras completas só foram publicadas em 1960, das quais destaco os versos que seguem.
Ossa Mea
II
Mãos de finada, aquelas mãos de neve,/ De tons marfíneos, de ossatura rica,/Pairando no ar, num gesto brando e leve,/Que parece ordenar mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve/Alguém que ante os altares sacrifica:/Mãos que consagram, mãos que partem breve,/Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
Mãos de esperança para as almas loucas,/ Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,/ Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,/ Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,/Cerrando os olhos das visões defuntas...
Foto de Alphonsus de Guimaraens
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O causo
Por conta da existência da UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto e seus afamados cursos de engenharia e mineralogia, Ouro Preto é também uma cidade de estudantes, em geral egressos de outros locais e que moram nas diversas repúblicas espalhadas pela cidade. O causo de hoje vem de uma delas (república Quitandinha) e foi contado pela jornalista Neide Magalhães (leiam matéria completa aqui).
"Um dia, uma turista encontrou uma velha senhora no primeiro piso da república, com quem conversou longamente. Ao perguntar-lhe se era parente de algum dos moradores, seu nome e onde morava, a mulher lhe disse que era muito amiga de Bernardo Guimarães (poeta e romancista mineiro, que morreu em 1884) e que morava logo ao lado da casa. A moça subiu e comentou com os estudantes que tinha conhecido uma senhora muito educada no primeiro andar e tudo o que ela lhe dissera. Foram ver quem estava lá e não encontraram ninguém. Outro se lembrou que Bernardo Guimarães era um poeta ouro-pretano, que já havia morrido há muito tempo e estava enterrado no cemitério da igreja [de São José]. Ao seu lado, o túmulo de uma mulher com o mesmo nome que a turista dissera. Quando a moça soube da história, juntou suas coisas e nunca mais voltou à república. Dizem até que ela nunca mais voltou a Ouro Preto."
Igreja (e cemitério) de São José, em Ouro Preto
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A música
Não sei bem por que, mas achei que a "Bachianinha n° 5", de Villa-Lobos, combinaria com esse post. Uma certa tristeza ou melancolia, talvez...
Esta composição é, certamente, a mais conhecida e gravada do maior compositor brasileiro de todos os tempos. Escrita para soprano e oito violoncelos, clara e intencionalmente inspirada na famosa "Ária da Quarta Corda" (ou "Air on a G String"), de Bach; teve nas divas Bidu Sayão e Maria Lúcia Godoy (a "Patativa de Minas") suas maiores intérpretes.
São 2 movimentos, mas o mais conhecido é a Ária (Cantilena) - Adágio, que recebeu letra de Ruth Valadares Correa (muitas vezes atribuida a Manuel Bandeira) e é belíssima também, pelo que abaixo a reproduzo. .
Ária (Nuvem rósea)
Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente/ cruza no espaço sonhadora e bela/ Surge no infinito a lua docemente/ enfeitando a tarde qual meiga donzela/ que se apressa a linda sonhadora mente/ em anseios d'alma para ficar bela/ grita o céu, a terra, toda a natureza/ cala a passarada aos seus tristes queixumes/ e empresta ao mar toda a sua beleza/ Suave a luz da lua desperta agora/ a cruel saudade que ri e que chora/ Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente/ cruza no espaço sonhadora e bela.
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Há dezenas de versões disponíveis na web ("oiçam" aqui na linda voz de Maria Lúcia Godoy e aqui na de, em minha opinião ainda insuperável, Bidu Sayão). Gostei muito desta que segue abaixo, com violão e voz apenas. Infelizmente não posso dar os créditos...
Villa Lobos - Bachiana 5
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Ei, amore!!!!
ResponderExcluirSim, terminam minhas férias - qualquer dia em conto a saga desses últimos 15 dias, por enquanto basta dizer que na segunda volto ao batente e poderei, enfim, descansar...
Gosto sim do tema, podemos ler co prazer mais 3 ou 4, e casos e histórias de Ouro Preto também tenho alguns.
Mas Maria Lúcia Godoy não é de meu gosto não... Não consegui ouvir a versão que vc postou, pra tentar identificar, sorry...
Beijo e tudo de bom!
Ei Luciana,
ResponderExcluirespero que não tenha ido pra Portugal de novo... rsss
Tá vendo? É sempre bom a gente tirar umas férias das férias... Aqui tudo bem, apesar de ser chato ficar todo esse tempo sem seus posts e comments. Até a Luletras voltou!!!
Você tem tanto crédito por aqui que nem fez muita diferença ter discordado do Drummond quanto à ML Godoy... Sobre ela falou JK: "A mais bela, a mais comovente,
a mais importante voz deste país." E Tancredo: "Quando ela canta é o coração de Minas que se externa, é a própria Minas Gerais que se encontra num dos momentos mais altos de sua poesia, de sua beleza e do seu encantamento."
Querida, deve ser porque você usa um navegador que não é compatível com o player, por exmplo o Mozzila. Tente esse link: http://www.mp3tube.net/musics/Villa-Lobos-Bachiana-5/21960/
Ah Luciana, me esqueci:
ResponderExcluirentão a senhora está convidada a fazer a próxima postagem sobre o tema. Visse?
RM, prefiro Lu Carvalho, quanto ao vinho do Porto, eu apenas levei a fama e não deitei na cama. O Sr. MR até hoje não enviou a minha garrafa do Pinto, fiquei só na vontade... rsrs
ResponderExcluirBeijos
“Ó sonora audição colorida do aroma!”
ResponderExcluirSinestésico o post de hoje, RM
Perfeito.
Deliciosa combinação. Poesia e música, no compasso mineiro dos causos contados pelo mineirim mais gentil que eu conheço...
Bachianas 5. A atmosfera sublime que a boa música proporciona; o som penetrante a guiar os sentidos para sorver a beleza desse tempo distinto do que vivemos...
Que lindo e q bom saber que vem mais por aí.
Ei dona Lu Carvalho (ex-Luletras),
ResponderExcluiraté hoje? Ah, não acredito... Sem o Pinto todo esse tempo? rsss
Cora,
se não me falta a memória, estes são versos do referido poeta sobre a sua indescritível cidade.
Perfeita também a sua definição dessa bachianinha: é pra viajar mesmo!
áhhhh, que post lindo!só gentilezaas!!! mesmo os sentimentos tristes do poeta e a história sobrenatural são lindos, delicioso, mineiríssimo!
ResponderExcluirainda me mando pra aí, uai!
beijoooooooO
: )
gostei. posso linkar?
ResponderExcluirBem vinda Lia!
ResponderExcluirTambém gostei, principalmente de suas preferências musicais, bom presságio...
A mim é que me honra ser "linkado" por você.
Ju, moça de generosa beleza,
ResponderExcluirreconheço certa generosidade em excesso no seu comentário mas, claro, me agradou muito...
Daqui um pouquinho farei um comentário no seu blog e vou me valer do velho Caymmi. Pra manter a homogeneidade aqui, citarei uma frase do mais baiano dos baianos:
"Gosto de Minas, da cordialidade rural. É muito mais repousante do que a Bahia, do que o Rio, do que tudo. Lá é que é lugar de repouso. Você respira outro ar, outra vida. Minas coopera com sua saúde."
Sei que você está esbanjando saúde, mas ainda assim as montanhas a esperam...