quinta-feira, 20 de novembro de 2008

SM

Não. Não são as iniciais de "sado-mazô", nem de Sua Majestade (ou sua mãe...). Mas de Simone Maia, a quem conheci na blogosfera e que responde por parte da culpa de eu ter aqui permanecido.

Explico: há pouco mais de um ano, só frequentava esse mundo paralelo para, exclusivamente, sacanear meu amigo MR, criando personagens e comentando anônimamente no seu blog. Numa dessas apareceu a Simone e, na mesma balada, a Luciana G. O clima cordial, bem-humorado e inteligente nos aproximou e chegamos a cogitar de criarmos um blog coletivo, projeto eternamente adiado por falta de tempo dos partícipes.

A Simone mantinha um blog muito interessante, no qual recortava notícias e temas, fazendo um trabalho digno dos chamados "pauteiros" de redações jornalísticas. O blog foi, infelizmente, desativado, mas o que pouca gente sabia é que a ex-blogueira também escreve muito bem, embora nunca tivesse publicado seus textos no próprio blog.

Dando continuidade à série "Mulheres que Escrevem" (leiam o primeiro aqui), tenho o prazer de apresentar Simone Maia, a nossa SM. Paulista de Santo André, 36 anos, formada em Artes, Simone tem seus contos e poemas publicados em livros, coletâneas, jornais e na web. Gosto muito de um conto que narra a história de uma moça com grandes e impressionistas olhos, mas ao ler este que segue, julguei que fosse de uma latente atualidade e mais apropriado para este espaço.


DO YOU UNDERSTAND O QUE EU DIGO?

Conheci um gringo que gostava de tudo pela metade: se tomasse café, era descafeinado; se tomasse cerveja, era sem álcool; se comesse chocolate, era sem açúcar; se iniciasse uma conversa, não concluía; se comesse peixe, era cru...


Ele, músico. Eu, admiradora de seu trabalho. Fã não, porque fã é coisa de obcecado.

De uma carta mal escrita num Inglês emporcalhado, surgiu o interesse dele por mim. Costumava dizer que me adorava porque o fazia rir, mas a verdade é que nunca pretendi fazê-lo. O que eu tentava dizer era sério, muito sério... mas ele achava graça. “Barreira de linguagem” – ele justificava.

Depois de dois anos conversando muito mal, por telefone e carta, ele simplesmente decidiu: “I’ll see you”. Viria pro Brasil. Ignorou totalmente minhas recomendações: “NO! It’s very dangerous! Here are um monte de bandits!” Ele ria. “You’ll be seqüestrado and, and...” Minha reluta só serviu para convencê-lo ainda mais: “I love you! You’re so funny... lovely! I’ll see you soon!”. Entrei em pânico.

Comecei a assistir a todos aqueles seriados americanos e britânicos que bombardeiam a programação das emissoras a cabo. De Friends a “ER”, assisti de tudo, tomando nota dos diálogos. Li Snowman’s Squeaky Song, um livro para crianças de 5 a 8 anos de idade. Crianças americanas, naturalmente. Ou britânicas. Provavelmente havia sido escrito por uma delas. Era bonitinho: trazia na capa um bonequinho de neve que emitia um som agudo – feito aqueles que saem dos patinhos de borracha – se você o apertasse. Assisti a filmes legendados. Enchi dois cadernos universitários com diálogos estúpidos, retirados das ditas fontes. Eu não estava certa quanto à utilidade deles, pois achava que seria esquisito falar sobre homens de neve ou intervenções cirúrgicas no meio de uma conversa. Definitivamente, não pegaria bem. Sem contar que grande parte dos diálogos era traduzida de forma misteriosa, portanto eu não deveria me espantar se acaso soltasse um “Holy shit!” pensando estar dizendo algo como “Santo Deus!” e o surpreendesse me encarando, perplexo.

Nos encontramos no aeroporto. “Pense antes de dizer qualquer coisa” – eu pensava, antes de pensar em dizer qualquer coisa. “How are you?” – ele quis saber. Essa era fácil. Me lembrei das aulas de Inglês na escola: “I’m fine, and you?” – rebati. “I’m too, thanks, I’m fine!” Silêncio. O que vinha depois?

Enquanto ele tagarelava feito os enfermeiros do Plantão Médico em meio a uma emergência, eu tentava relaxar. Para isso, cantarolava aquela velha canção: “One, little two, little three, little indians...” que passou a ser minha tática para situações emergenciais. Ele ria. Não entendia minha aflição.

No segundo dia juntos, ele quis um beijo. Eu dei, pois estava apaixonada. Pensava: “Esse é o homem ideal... nunca vai entender o que digo e portanto nunca irá se aborrecer ou se entediar”. Ele era agradável, mas extremamente frio. “The snowman”, eu pensava.

No terceiro dia: “I wanna fuck you all night”. Caramba! Os americanos são mesmo muito práticos! “What?” – dei uma de desentendida. “I want you”. “Ah!”. Derrubei o café. “Are you ok?” – ele riu. “No”. Sou sincera. A noite veio. Ele queria. Eu também, mas tinha medo. “Are you fine?” “No. I’m confusa”. “What?” “Deixa pra lá!”.

All night long... Quer dizer, até o meio da noite, porque ele gostava de tudo pela metade. Isso eu já disse. Se tirasse a roupa, era só da cintura pra cima ou pra baixo, dependendo da intenção. Se estivéssemos no quarto, era à meia-luz. Se me servisse champanhe, era meia taça. Se desse um sorriso, era com um dos cantos da boca. Meias-palavras. “Barreira de linguagem” – ele justificava.

No último dia, arranjei um lugar para ele tocar. Uma banda o seguiria, mas só meia banda, porque o vocalista tinha viajado e o guitarrista estava de cama. Eles tocaram alguns clássicos do blues: partes de músicas emendadas umas às outras, feito medley. A casa estava cheia. Metade jovens, metade meia-idade. No meio do set, ele passou a alça da guitarra pela cabeça, colocou-a num canto do palco, virou-se para a platéia e disse: “Thank you. Good night”. Deixou o show pela metade.


Outros escritos da Simone podem ser lidos aqui, aqui ou aqui. Gentilmente a moça autorizou divulgar este e-mail para os que desejarem contatá-la.

[Infelizmente tivemos que escolher entre o e-mail e uma foto da moça: sendo uma mulher belíssima, correríamos o sério risco de superlotar sua caixa postal...]

19 comentários:

  1. ahhh...mineirim... q homenagem bonita a série "Mulheres que Escrevem"!

    Eu diria:- justa homenagem!

    Divas dadivosas há que se revelam seres de luz obstinados em construir e manter a beleza do mundo. E exemplos delas nas artes não faltam.

    A mim emocionou um texto que li, do livro "A Ciranda das Mulheres Sábias" e amaria compartilhar:


    Por todas as filhas inteligentes, desconhecedoras, sem rumo e pelas que tudo sabem... pelas filhas que estão avançando direito ou que prosseguem aos trancos... pelas que estão aprendendo a chorar novamente... pelas que estão aprendendo a gargalhar... por todas elas, não importa se estão saudáveis, curadas ou não, não importa de que classe, clã, oceano ou estrela... por todas as filhas que herdaram amor em abundância de antepassadas queridas que já se foram, mas que mesmo assim ainda fazem visitas... por todas as filhas que um dia ouviram por acaso o conselho de uma sábia destinado a outros ouvidos, mas estas "palavras certas na hora certa" causaram uma centelha que iluminou seu mundo daquele momento em diante para sempre... por toas as filhas que ouviram a sabedoria, não a entenderam, mas a guardaram para o dia em que conseguiram compreender... pelas filhas que remam sozinhas e cujas antepassadas escolhidas foram por necessidade encontradas em livros queridos, em imagens norteadas captadas no cinema, na pintura, na escultura, na música e na dança... pelas filhas que absorvem o bom senso e as atitudes necessárias trazidas por espíritos de sabedoria, ásperos e evanescentes que aparecem em sonhos noturnos... pelas filhas que estão aprendendo a escutar a velha sábia da psique, aquela estranha sensação interior de nítida percepção, de audição, noção e ação intuitivas... pelas filhas que sabem que esta fonte de sabedoria interior é como a panela de mingau dos contos de fada que, por mágica, nunca se esvazia por mais que se derrame seu conteúdo...

    Por elas...
    abençoadas sejam suas belezas, tristezas
    e buscas; que sempre se lembrem de
    que perguntas ficam sem respostas,
    até que sejam consultadas os dois modos
    de enxergar: o linear e o interior.

    (Clarissa Pinkola Estés - In: "A Ciranda das Mulheres Sábias" Editora Rocco)

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  2. Ei Cora,
    você se parece com uma daquelas dançarinas de véus, que apenas muito lentamente deixam-los cair, um a um...

    E pelo pouco que já revelou, revelou inteligência e sensibilidade o bastante para que eu desconfie que é também uma dessas "mulheres que escrevem"... Quer ser a próxima da série?

    (muito bonito o texto citado)

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  3. Que beleza... depois vossa mercê me conta o segredo.
    Abs

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  4. ow! quem dera estar em tão honrada companhia das "mullheres que escrevem"...

    Lisonjeadíssima, RM, mas eu não tenho cacife para tanto. sorry... quem sabe um dia...

    Por ora, me delicio com boas leituras e quero dar um viva aos autores de todos os sexos. lol

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  5. Japa,
    é fácil. É só ser meio cafajeste, meio cavalheiro... rsss

    Cora,
    ah, aposto que tá escondendo o belo rosto com mais um véu...

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  6. OH MY GOD!!

    Que bom que não perco o hábito (ou o vício rsrsrs) de passar por aqui quando em vez...

    Sempre bom ler SM, Simone, pra quem não sabe, é o começo da "confraria".

    Inventei um blog, no mesmo dia ela pescou o blog e eu pesquei o dela, claro! De peixe em peixe um monte de gente bacana foi se ajuntando, se conhecendo, entre os pioneiros RM e MR, dois que parecem estar em lados opostos mas se complementam, até nas letras iniciais dos nomes...

    RM, visionário, foi acalentando a (boa) idéia de um blog feminino, com seções para todos os gostos. A editora ideal? SIMONE MAIA!!

    Bom demais reencontrá-la aqui! Mas RM, não consegui pegar o mail dela, não uso outlook e deu aquela travada... Me mande, please.

    Grande beijo aos dois e a todos que insistem nessa maravilha que é trocar idéias e dialogar através de (bons) blogs.

    Inté!

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  7. Ei Luciana,
    você conhecia os textos da SM?

    O e-mail é:
    simone.maia08@yahoo.com.br


    PS: você viu o post de baixo? Queria um comentário seu... rsss

    PS2: preciso arranjar um tempo pra escrever aquele paper que te prometi. Também, quem mandou confiar em prazo dado por economista... rsss

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  8. Os véus são sete, assim como as sete maravilhas ou a quantidade de vidas de um gato.
    Ah, tanto ainda por dizer...

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  9. Luciana, Maroca e Cora,
    obrigado pelos comentários.

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  10. Céus! Será um dublê, um ventríloco ou um falso perfil que gostou do nome Cora e se apossou?

    bem, o fato, RM é que eu não falei nada...

    hei, ventríLoco! q tal usar outro pseudônimo???

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  11. A sim, estou me referindo ao último coment com o meu singelo nome aí em cima...

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  12. Ah, vocês que são coras ou coradas (ou bronzeadas, como falou o premiê italiano... rsss) que se entendam.

    A original é nota 10!

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  13. Pô, RM, LG e SM:

    Que que eu estava perdendo! Fiquei fora das visitações da blogosfera durante dois dias, para dar uma atenção especial à minha neta Alice, e eis que me aparecem aqui neste canto dos venenos e das peçonhas duas figuras queridíssimas, a LG e a SM.
    É verdade que a SM não deu a cara pessoalmente, mas só de saber que ela autorizou a reprodução dos textos e que o RM conseguiu localizá-la, com a ajuda do Chorik, fico super feliz.
    Realmente, o relato da LG aí acima é a pura verdade. Foi a SM que deu início à formação dessa confraria que, bem ou mal, já está com quase dois anos de vida. Foi ela, também, quem me achou nesse universo blogosférico e a primeira a me lincar no seu blog-roll.

    Adorei tudo, o post, o conto, os comments. Mas, principalmente, o reaparecimento das duas.

    Transmitam à SM, em meu nome, um fortíssimo abraço e digam para ela aparecer no nosso pedaço com mais freqüência.
    Se ela tiver algum blog atualmente, me avisem ou me mandem o link.
    Irei daqui a pouco aos links indicados para conhecer os outros contos e poesias dela.
    Um grande abraço a todos e um muito especial às duas sumidas, LG e SM. Contem, elas, sempre, com o meu carinho e a minha amizade.
    Abraços,

    MR
    21/11 - 23:39

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  14. Que anônimo porra nenhuma, ô meu!
    Este comment aí de cima foi escrito por mim e ninguém tasca! Esse tal de Blogger deve estar maluco!
    Assinado,

    Marcos Rocha, MR para a confraria.
    21/11 - 23:45

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  15. Beth,
    e as gatas? rsss

    MR,
    se você foi aos links indicados vai confirmar o motivo pelo qual não coloquei a foto dela aqui...
    E eu também espero, nunca se sabe, que ela dê o ar da graça por aqui...

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  16. ATENÇÃO: o endereço de e-mail divulgado neste post não existe mais, bem como o livro. Foi feita uma pequena tiragem de 200 exemplares e ela já foi esgotada.

    Dois dos links para leitura dos meus textos, também divulgados neste post, já saíram do ar.

    E, finalmente, só para efeito de informação, o conto apresentado aqui não faz parte do livro.

    Convido a todos a lerem meu e-book, "Resíduos", baixando-o no 4shared.

    Lá tem a versão em doc (word): http://www.4shared.com/document/tljbws9E/Ebook_Resduos_-_Simone_Maia_20.html

    e na versão pdf (para quem tem o Acrobat Reader instalado no computador):
    http://www.4shared.com/document/xp2Ngk5A/Resduos_-_Simone_Maia.html

    Forte abraço à "confraria"!

    Simone Maia

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