domingo, 12 de julho de 2009

MÚSICA E POESIA (5)

"Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos e sonhos não envelhecem..."



Com Márcio Borges, somado a Ronaldo Bastos (aqui) e Fernando Brant (aqui) fecha-se o triunvirato de letristas do chamado Clube da Esquina - designação esta, inclusive, reivindicada pelo autor. Mas a famosa esquina entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Teresa em Belo Horizonte, é posterior ao início da parceria entre os jovens (a maioria teenagers) músicos que se encontraram na cidade, no início dos anos 60 (aqui para uma breve biografia e um resumo da obra).

Filho de um jornalista e uma professora, à família Borges, de onze irmãos acrescentou-se Bituca como "décimo segundo", ainda no tempo em que viviam em um prédio residencial no centro de Belo Horizonte. Além dele próprio também acabaram se dedicando à música Lô, Yé, Marilton, Nico, Solange e Telo.

Primeiro parceiro de Milton Nascimento, tem obra quantitativamente menor que às dos outros dois, porém, não raro, exercendo uma espécie de poder de síntese sobre o trabalho coletivo do grupo. Considerava-se "um cineasta frustrado fazendo letras de música" e aos outros dois, "verdadeiros poetas e letristas". Cinéfilo militante, algumas de suas letras são referências diretas a filmes de Truffaut e Kazan, entre outros.

Dedicou-se à crítica de cinema, à publicidade e à produção e direção musical e abandonou a atividade de letrista em meados dos anos 80. Na década seguinte lançou o livro Os sonhos não envelhecem (São Paulo: Geração Editorial, 1996), que recomendo vivamente e do qual reproduzo a divertida explicação de como surgiu a letra de Clube da Esquina 2:

"Certa noite, encontrei-me com Nana Caymmi no Diagonal, bar que freqüentávamos no Baixo Leblon. Ela estava com estúdio marcado para gravar seu LP daquele ano.
— O seu porra, porque você não mete uma letra no "Clube da Esquina 2"? - foi me dizendo. (Esse era o instrumental criado por Lô e Bituca tempos atrás, no qual todos nós queríamos pôr letra, mas os dois nunca deixavam ("senão deixa de ser instrumental"). - Eu quero gravar essa merda mas sem letra não dá, né, porra."


Escolhi a letra de Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges), que pode ser lida como a mulher amada ou como a "mulher-pátria" ou ainda a composição ferroviária homônima que fazia o trajeto BH-Rio:

Hoje fui que a perdi/Mas onde, já nem sei/Me levo para o mar/Em Vera me larguei/E deito nessa dor/Meu corpo sem lugar

Ah, quisera esquecer/A moça que se foi/De nossa Vera Cruz/E o pranto que ficou/Do Norte que sonhei/Das coisas de um lugar

Nos rios me larguei/Correndo sem parar/Buscava Vera Cruz/Nos campos e no mar/Mas ela se soltou/Pra longe se perdeu

Quero em outra mansidão/Um dia ancorar/E ao vento me esquecer/Que ao vento me amarrei/E nele vou partir

Atrás de Vera Cruz

Ah, quisera encontrar/A moça que se foi/Do mar de Vera Cruz/E o pranto que ficou


Da lista, com Bituca: Clube da Esquina (Milton Nascimento/Lô Borges/Márcio Borges), Tudo que você podia ser (Lô Borges/Márcio Borges), Quem sabe isso quer dizer amor (Lô Borges/Márcio Borges), e, com Maria Rita, Voa bicho (Telo Borges/Márcio Borges). Com Lô Borges: Clube da Esquina 2 (Milton Nascimento/Lô Borges/Márcio Borges) e Um girassol da cor do seu cabelo (Lô Borges/Márcio Borges). Com Stanley Turrentine: Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges). Com Ron Carter: Canção do Sal (Milton Nascimento/Márcio Borges).




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ATUALIZAÇÃO (14/07/09 às 21:45 hs.)

A japinha Udi Tarora, parceirinha 100% pediu; vai aí uma versão recente de Paisagem da Janela (Lô Borges/Fernando Brant). Segundo Márcio Borges, a letra foi escrita em Diamantina (MG), em 1971:

"Antes das gravações do álbum duplo, voltamos a Diamantina. A revista O Cruzeiro queria realizar uma reportagem conosco e lá estávamos, sempre acompanhados pelo carro de reportagem da revista. Formávamos um bando barulhento que só se deslocava coletivamente: eu, Bituca, Fernando, Lô, o fotógrafo Juvenal Pereira e um estudante de direito amigo de Fernando, Ildebrando Pontes. Fomos hospedados num hotel colonial, muito bonito e bem-arrumado. Meu quarto ficava numa ala do velho casarão que dava para a praça principal, enquanto o de Fernando tinha janelas que se abriam para uma igreja e o cemitério da cidade. Com toda a certeza isso foi a inspiração que teve para nos mostrar, certa manhã, à mesa onde fazíamos o desjejum, a letra que havia escrito ali, durante a noite, sobre um tema que Lô lhe passara: PAISAGEM DA JANELA."

Lô Borges - Paisagem na janela

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29 comentários:

  1. RM,

    Gostei de conhecer esse caboclo do Clube da Esquina e gostei de escutar o instrumental de "Vera Cruz".

    Valeu!

    (RM também é cultura...)

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  2. Puxa RM, agora você pegou pesado e,a mim, totalmente desprevenida! Quase tive um "piripaque" ...
    Saí do Commodores - já tremendo nas bases - e vim direto pra cá, mas sem imaginar que estaria a ponto das emoções serem mais revolvidas ainda !! Esta sua escolha foi primorosa ...
    Eu uso essa frase, tal como um mantra, em minha vida:

    " os sonhos não envelhecem..."

    E ai de nós se envelhecessem... Considero o seu significado de uma riqueza fora de série !
    Todas as belíssimas canções deste disco (LP à época!rs)reportam-me a uma época por demais sofrida e significativa em minha vida ( tipo assim um "marco"! Nasci de novo ... em TUDO!) Lembro-me do disco Clube da esquina II ( é isso mesmo ?), e depois que os LPs foram aposentados, ainda procurei pelo CD, mas nunca encontrei! Enfim, considero a melhor fase de Milton Nascimento, inclusive em voz ! Sei lá, mas é o que penso!rs
    Bela, comovente e mais do que merecida homenagem ao Márcio Borges !
    A seleção musical nem se fala ! Deixarei a minha página tb linkada na sua, só pra ficar a ouvi-la ...
    Parabéns e agradeço pelo belo agito numa noite de domingo !
    Beijosss
    Helô

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  3. Portuga,
    agradeço o comentário.
    Tá vendo? Mas nem por isso ganho prêmio (ou prêmeio, sei lá...).

    Helô,
    você é mesmo craque, matou a charada: Márcio Borges é o letrista das emoções, dos sonhos e desventuras de uma geração...

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  4. ÉrreEme também é jazz!
    ;)

    Maravilhoso, parceirim! Dizer mais o quê?
    Não se compara com rock... but I like it!
    :)))

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  5. Udi,
    as raízes são as mesmas: o velho e bom blues que os crioulos americanos inventaram no princípio do século passado...
    E aí, gostou das músicas do Lô?

    Anne,
    friozinho aí do sul? Pertinho da lareira... rss

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  6. Com uma boa musiquinha... Quero mais quê?????? rsrsrsrsrs

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  7. Gostei de todas, Érrinho! Mas tem uma que, para o que ainda resta de meu coração adolescente, é imbatível (será só do Lô?):

    "da janela lateral
    do quarto de dormir
    vejo uma igreja,
    um sinal de glória
    vejo um muro branco e um vôo,
    um pássaro
    vejo uma grade
    e um velho sinal"

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  8. A letra é do Fernando Brant e, acho, que está na postagem correspondente...

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  9. Querido, passando pra dizer que estou viva..rs e principalmente pra deixar um beijo de saudade...

    Maroca

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  10. Chimarrão sempre... HOje está 1º ao meio dia!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  11. Ei Maroca,
    tava sumidaça, nega!
    Tudo bem? Bem vinda!

    Anne,
    haja crepitar de lareiras...

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  12. oooops... onde se lê 1º, leia-se 11º

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  13. vc não imagina o quanto eu amooooooooo esses caras!
    obrigada!
    :)

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  14. Anne,
    ah, então pode até apagar a lareira... rss

    Ju,
    mas nesse caso a sorte é deles! rss

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  15. ...tem "paisagem da janela" lá nããão!

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  16. Ufa! Ainda bem que detonei o 0800... rss

    Vou ficar devendo, parceirinha.

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  17. ...e num é que eu ia justamente perguntar daquele espacinho?!

    E eu elogiei tanto a iniciativa do departamento de marketing... (risos!)

    o 0800 tá desativado mas o "controle de qualidade" continua a mil! (mais risos!)

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  18. Peraí, parceirinha. Vou postar a música pra você agora!

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  19. Pronto, ganhou! Reconheço que Venenos, etc., é o melhor local para ouvir música brasileira!

    Gostei!!!

    Abraço.
    António

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  20. Tapadinhas,
    agradeço a referência elogiosa, meu caro...

    Esta série era mais para tentar resgatar alguns ótimos letristas da música brasileira, mas acabou tratando mesmo foi da música que é, de longe, a manifestação cultural mais relevante desse povo...

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  21. gosto das coisas q vc me ensina, mesmo nem sempre concordando com elas!
    beijos!
    : )

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  22. Ei Ju,
    o sentimento é recíproco, embora seja difícil discordar de uma moça inteligente e linda como você.

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  23. ei, viva a dialética!
    ;-)
    beijooooooooooO

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  24. ...e quem precisa de 0800 com tamanha proatividade para ser gentil com os leitores?!

    Parceirim mineiro! Cê é imbatível na gentileza...e esse blog, a cada dia, agrega mais e mais conteúdo.

    thaaaanks much!

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  25. ...ah! e essa versão é maravilhosa e a história incrível!

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  26. Ei Udi,
    sou um marqueteiro à moda antiga: a cliente sempre tem razão! Já as parceirinhas tem TODA a razão...

    Aos inimigos, claro, a lei... rss

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