"Porque se chamavam homens, também se chamavam sonhos e sonhos não envelhecem..."
Com Márcio Borges, somado a Ronaldo Bastos (aqui) e Fernando Brant (aqui) fecha-se o triunvirato de letristas do chamado Clube da Esquina - designação esta, inclusive, reivindicada pelo autor. Mas a famosa esquina entre as ruas Divinópolis e Paraisópolis, no bairro de Santa Teresa em Belo Horizonte, é posterior ao início da parceria entre os jovens (a maioria teenagers) músicos que se encontraram na cidade, no início dos anos 60 (aqui para uma breve biografia e um resumo da obra).
Filho de um jornalista e uma professora, à família Borges, de onze irmãos acrescentou-se Bituca como "décimo segundo", ainda no tempo em que viviam em um prédio residencial no centro de Belo Horizonte. Além dele próprio também acabaram se dedicando à música Lô, Yé, Marilton, Nico, Solange e Telo.
Primeiro parceiro de Milton Nascimento, tem obra quantitativamente menor que às dos outros dois, porém, não raro, exercendo uma espécie de poder de síntese sobre o trabalho coletivo do grupo. Considerava-se "um cineasta frustrado fazendo letras de música" e aos outros dois, "verdadeiros poetas e letristas". Cinéfilo militante, algumas de suas letras são referências diretas a filmes de Truffaut e Kazan, entre outros.
Dedicou-se à crítica de cinema, à publicidade e à produção e direção musical e abandonou a atividade de letrista em meados dos anos 80. Na década seguinte lançou o livro Os sonhos não envelhecem (São Paulo: Geração Editorial, 1996), que recomendo vivamente e do qual reproduzo a divertida explicação de como surgiu a letra de Clube da Esquina 2:
"Certa noite, encontrei-me com Nana Caymmi no Diagonal, bar que freqüentávamos no Baixo Leblon. Ela estava com estúdio marcado para gravar seu LP daquele ano.
— O seu porra, porque você não mete uma letra no "Clube da Esquina 2"? - foi me dizendo. (Esse era o instrumental criado por Lô e Bituca tempos atrás, no qual todos nós queríamos pôr letra, mas os dois nunca deixavam ("senão deixa de ser instrumental"). - Eu quero gravar essa merda mas sem letra não dá, né, porra."
Escolhi a letra de Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges), que pode ser lida como a mulher amada ou como a "mulher-pátria" ou ainda a composição ferroviária homônima que fazia o trajeto BH-Rio:
Hoje fui que a perdi/Mas onde, já nem sei/Me levo para o mar/Em Vera me larguei/E deito nessa dor/Meu corpo sem lugar
Ah, quisera esquecer/A moça que se foi/De nossa Vera Cruz/E o pranto que ficou/Do Norte que sonhei/Das coisas de um lugar
Nos rios me larguei/Correndo sem parar/Buscava Vera Cruz/Nos campos e no mar/Mas ela se soltou/Pra longe se perdeu
Quero em outra mansidão/Um dia ancorar/E ao vento me esquecer/Que ao vento me amarrei/E nele vou partir
Atrás de Vera Cruz
Ah, quisera encontrar/A moça que se foi/Do mar de Vera Cruz/E o pranto que ficou
Da lista, com Bituca: Clube da Esquina (Milton Nascimento/Lô Borges/Márcio Borges), Tudo que você podia ser (Lô Borges/Márcio Borges), Quem sabe isso quer dizer amor (Lô Borges/Márcio Borges), e, com Maria Rita, Voa bicho (Telo Borges/Márcio Borges). Com Lô Borges: Clube da Esquina 2 (Milton Nascimento/Lô Borges/Márcio Borges) e Um girassol da cor do seu cabelo (Lô Borges/Márcio Borges). Com Stanley Turrentine: Vera Cruz (Milton Nascimento/Márcio Borges). Com Ron Carter: Canção do Sal (Milton Nascimento/Márcio Borges).
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ATUALIZAÇÃO (14/07/09 às 21:45 hs.)
A japinha Udi Tarora, parceirinha 100% pediu; vai aí uma versão recente de Paisagem da Janela (Lô Borges/Fernando Brant). Segundo Márcio Borges, a letra foi escrita em Diamantina (MG), em 1971:
"Antes das gravações do álbum duplo, voltamos a Diamantina. A revista O Cruzeiro queria realizar uma reportagem conosco e lá estávamos, sempre acompanhados pelo carro de reportagem da revista. Formávamos um bando barulhento que só se deslocava coletivamente: eu, Bituca, Fernando, Lô, o fotógrafo Juvenal Pereira e um estudante de direito amigo de Fernando, Ildebrando Pontes. Fomos hospedados num hotel colonial, muito bonito e bem-arrumado. Meu quarto ficava numa ala do velho casarão que dava para a praça principal, enquanto o de Fernando tinha janelas que se abriam para uma igreja e o cemitério da cidade. Com toda a certeza isso foi a inspiração que teve para nos mostrar, certa manhã, à mesa onde fazíamos o desjejum, a letra que havia escrito ali, durante a noite, sobre um tema que Lô lhe passara: PAISAGEM DA JANELA."
Lô Borges - Paisagem na janela
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RM,
ResponderExcluirGostei de conhecer esse caboclo do Clube da Esquina e gostei de escutar o instrumental de "Vera Cruz".
Valeu!
(RM também é cultura...)
Puxa RM, agora você pegou pesado e,a mim, totalmente desprevenida! Quase tive um "piripaque" ...
ResponderExcluirSaí do Commodores - já tremendo nas bases - e vim direto pra cá, mas sem imaginar que estaria a ponto das emoções serem mais revolvidas ainda !! Esta sua escolha foi primorosa ...
Eu uso essa frase, tal como um mantra, em minha vida:
" os sonhos não envelhecem..."
E ai de nós se envelhecessem... Considero o seu significado de uma riqueza fora de série !
Todas as belíssimas canções deste disco (LP à época!rs)reportam-me a uma época por demais sofrida e significativa em minha vida ( tipo assim um "marco"! Nasci de novo ... em TUDO!) Lembro-me do disco Clube da esquina II ( é isso mesmo ?), e depois que os LPs foram aposentados, ainda procurei pelo CD, mas nunca encontrei! Enfim, considero a melhor fase de Milton Nascimento, inclusive em voz ! Sei lá, mas é o que penso!rs
Bela, comovente e mais do que merecida homenagem ao Márcio Borges !
A seleção musical nem se fala ! Deixarei a minha página tb linkada na sua, só pra ficar a ouvi-la ...
Parabéns e agradeço pelo belo agito numa noite de domingo !
Beijosss
Helô
Portuga,
ResponderExcluiragradeço o comentário.
Tá vendo? Mas nem por isso ganho prêmio (ou prêmeio, sei lá...).
Helô,
você é mesmo craque, matou a charada: Márcio Borges é o letrista das emoções, dos sonhos e desventuras de uma geração...
ÉrreEme também é jazz!
ResponderExcluir;)
Maravilhoso, parceirim! Dizer mais o quê?
Não se compara com rock... but I like it!
:)))
Boa música pra namorar.. Thanks
ResponderExcluirBjs
Udi,
ResponderExcluiras raízes são as mesmas: o velho e bom blues que os crioulos americanos inventaram no princípio do século passado...
E aí, gostou das músicas do Lô?
Anne,
friozinho aí do sul? Pertinho da lareira... rss
Com uma boa musiquinha... Quero mais quê?????? rsrsrsrsrs
ResponderExcluirChimarrão? rss
ResponderExcluirGostei de todas, Érrinho! Mas tem uma que, para o que ainda resta de meu coração adolescente, é imbatível (será só do Lô?):
ResponderExcluir"da janela lateral
do quarto de dormir
vejo uma igreja,
um sinal de glória
vejo um muro branco e um vôo,
um pássaro
vejo uma grade
e um velho sinal"
A letra é do Fernando Brant e, acho, que está na postagem correspondente...
ResponderExcluirQuerido, passando pra dizer que estou viva..rs e principalmente pra deixar um beijo de saudade...
ResponderExcluirMaroca
Chimarrão sempre... HOje está 1º ao meio dia!!!!!!!!!!!!!!!!!!
ResponderExcluirEi Maroca,
ResponderExcluirtava sumidaça, nega!
Tudo bem? Bem vinda!
Anne,
haja crepitar de lareiras...
oooops... onde se lê 1º, leia-se 11º
ResponderExcluirvc não imagina o quanto eu amooooooooo esses caras!
ResponderExcluirobrigada!
:)
Anne,
ResponderExcluirah, então pode até apagar a lareira... rss
Ju,
mas nesse caso a sorte é deles! rss
...tem "paisagem da janela" lá nããão!
ResponderExcluirUfa! Ainda bem que detonei o 0800... rss
ResponderExcluirVou ficar devendo, parceirinha.
...e num é que eu ia justamente perguntar daquele espacinho?!
ResponderExcluirE eu elogiei tanto a iniciativa do departamento de marketing... (risos!)
o 0800 tá desativado mas o "controle de qualidade" continua a mil! (mais risos!)
Peraí, parceirinha. Vou postar a música pra você agora!
ResponderExcluirPronto, ganhou! Reconheço que Venenos, etc., é o melhor local para ouvir música brasileira!
ResponderExcluirGostei!!!
Abraço.
António
Tapadinhas,
ResponderExcluiragradeço a referência elogiosa, meu caro...
Esta série era mais para tentar resgatar alguns ótimos letristas da música brasileira, mas acabou tratando mesmo foi da música que é, de longe, a manifestação cultural mais relevante desse povo...
gosto das coisas q vc me ensina, mesmo nem sempre concordando com elas!
ResponderExcluirbeijos!
: )
Ei Ju,
ResponderExcluiro sentimento é recíproco, embora seja difícil discordar de uma moça inteligente e linda como você.
ei, viva a dialética!
ResponderExcluir;-)
beijooooooooooO
Viva!
ResponderExcluir(e também a lógica...)
...e quem precisa de 0800 com tamanha proatividade para ser gentil com os leitores?!
ResponderExcluirParceirim mineiro! Cê é imbatível na gentileza...e esse blog, a cada dia, agrega mais e mais conteúdo.
thaaaanks much!
...ah! e essa versão é maravilhosa e a história incrível!
ResponderExcluirEi Udi,
ResponderExcluirsou um marqueteiro à moda antiga: a cliente sempre tem razão! Já as parceirinhas tem TODA a razão...
Aos inimigos, claro, a lei... rss