quarta-feira, 16 de setembro de 2009

NÃO, NÃO TEMOS!

Semaninha meio chocha em matéria de conjuntura política e econômica, vou preferir comentar declaração de um súdito de Sua Majestade, famoso (quem mesmo?) Bob Geldof, roqueiro e ativista político (aqui para ver a entrevista completa, concedida ao jornalista Jorge Pontual, da GloboNews):


"A sociedade brasileira não é caótica. O Brasil cresce a altas taxas. Vocês tem recursos infinitos, grande parte da população tem um alto nível educacional. O que faz vocês pensarem que não há problema se as favelas forem a institucionalização da pobreza? O que faz vocês não sentirem vergonha quando um turista vai visitar seus outros cidadãos em ônibus de turismo para ver como vivem os pobres? Por que não tem vergonha disso? Vocês deveriam ter vergonha."


Claro que merecemos tomar essa nas fuças, de um estrangeiro que visitou o país por apenas 2 dias. É a mais pura verdade: não temos vergonha. A começar porque não tratamos como cidadãos os chamados "outros cidadãos"; mas no coletivo, por "comunidade". Não são cidadãos, apenas formam uma comunidade, neologismo bastante mais simpático (mas de idêntico conteúdo) que gueto. Ora, as favelas não são "comunidades"; são guetos, onde vivem, apartados, aqueles que ainda não se transformaram em cidadãos. Em pleno "Ano da França no Brasil" ainda não fizemos, já se vão duzentos anos, nossa revolução francesa. Nossa sociedade ainda se divide em ordens distintas.

A aparente "organização" das favelas, a que se refere o roqueiro, é devida menos ao Estado que ao crime organizado. A inversão de valores, a perversidade, é completa: as populações faveladas só se insurgem quando a polícia mata um "inocente", como se fosse aceitável matar um "culpado"... Vivemos na Idade Média, somos medievais!

Há recursos para tratar o problema? Há. O roqueiro tem razão em identificar o país como integrante, ao menos em parte, do time de países "ricos". Há instrumentos institucionais para tratar o problema? Há. O país vive em "estado democrático de direito" há, pelo menos, duas décadas, a justiça (mal ou bem) funciona, as casas legislativas (mal ou bem) funcionam, os governos (mal ou bem) funcionam... Há uma legislação específica, o Estatuto das Cidades, e um ministério específico para tratar do problema.

Falta o que?


Olha a cara do caboclo inglês aí.


ATUALIZAÇÃO (18/09/09 às 17:15 hs)

Pronto! Bastaram umas noticinhas malemeno boas (divulgação da PNAD 2008 pelo IBGE) para voltarem à carga o presidente falastrão e a sua candidata falastrinha (que estava meio sumidinha desde o episódio de "advocacia administrativa" para o filho de Sarney, por ela protagonizado): o presidente quer a "consolidação das leis sociais" e a ministra-candidata diz que "Pré-Sal é passaporte para combater a desigualdade..." E os dois adotaram o discurso de que estão transformando os pobres em classe média.

Ué, que leis? Sua excelência (ou seria insolência?) acha que regra para reajuste de salário mínimo e bolsa-família são "leis sociais..." E a ministra, ao que tudo indica, usará os recursos advindos da exploração do petróleo para turbinar as "leis sociais" de seu chefe.

Mas o que, de fato, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) mostra é que a renda do trabalho, via emprego, aumentou nos últimos anos. Aliás, desde 2001, antes portanto de sua excelência assumir o governo e muito antes do programa Bolsa-Família ser implementado.

Mas mostra também que:

a) a rede de esgoto (aí incluídas as fossas sépticas) atinge apenas 52,5% dos domicílios;

b) a rede de água apenas 83,9%;

c) o brasileiro passa, em média, apenas 7,1 anos na escola.

Que leis sociais, presidente? (parece que bebe...)
.

34 comentários:

  1. ...e este post também poderia ser uma fração do "saudades do Brasil".

    "O Brazil não conhece o Brasil
    O Brasil nunca foi ao Brazil"

    ele é o cara que organizou o Live Aid, lembra?

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  2. Ei Udi,
    sim, acho que tudo que tô escrevendo tá descambando pra esse tema.

    Mas nesse caso, o Brazil mostrou que conhece melhor o Brasil...

    Só fiquei sabendo da existência desse caboclo depois que vi a entrevista...

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  3. Mineirim,

    Na minha opinião este seu post toca um assunto muito melindroso da sociedade brasileira: as contradições da democracia brasileira.

    Não gosto desse Bob Geldof (é irlandês, not british) por uma razão muito simples: entendo que para um defensor dos direitos humanos Bob Geldof chama a si um protagonismo exagerado não compatível com os valores que defende. Afinal, Bob é um músico falhado, que tem vivido e enriquecido à custa de eventos em prol dos direitos fundamentais do ser humano. Geldof tornou-se um profissional da pobreza e da miséria, um proxeneta. Comparativamente, admiro mais a postura de Sting, um músico de grande sucesso e igualmente defensor da dignidade do ser humano.

    Em relação ao Brasil - Sim, a pobreza não deveria ser espectáculo e recreio turístico, e as favelas não deveriam ser uma espécie de safari: são feitas de gente que, por muito sofrida, não são animais selvagens.

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  4. Portuga,
    sim, esta continua sendo, mesmo depois de Lula, a questão-chave da democracia brasileira: democracia para quem?

    Não tenho maiores informações sobre o roqueiro, mas pareceu-me muito bem informado e sensato, ao menos nas declarações relativas à miséria na África e no palpite em relação ao Brasil. Na verdade contatou o óbvio (como são especialistas os ingleses, mesmo os nascidos na Irlanda): falta-nos vergonha na cara!

    Claro que só pode ser considerado disparate o favela tour, mas a verdadeira questão é que não há motivos concretos para a permanência desse tipo de habitação no Brasil.

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  5. PS. - Ou, dito de outro modo, Bob Geldof é uma entidade que não difere muito da do Vaticano: professa uma religião popularista para viver na opulência.

    Boa noite a todos. Hoje vou me deitar cedo. Na minha idade todos os excessos de uma noite já são cobrados desde a manhã seguinte. Putz!

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  6. RM,

    Como você, enquanto economista, bem sabe a afirmação de que os recursos são infinitos é uma falsa verdade. Recursos sempre são bens escassos e é a sua escassez que determina a luta pelo poder económico.

    O problema do Brasil é essencialmente, na minha modesta opinião, uma questão de falta de vontade e incapacidade política para redistribuir a riqueza, para diminuir as desigualdades sociais, para promover a harmonização e o equilíbro social. É mister de bons negócios que todos os participantes fiquem satisfeitos: os patrões e os trabalhadores, os compradores e os vendedores, os proprietários e os arrendatários, os investidores e ops consumidores, etc.

    Lula, por exemplo, esqueceu os sem-terra, os faveleiros, os desfavorecidos, a populaça que o elegeu. Mas não foi só ele: todos antes dele fizeram o mesmo e todos os que virão farão provavelmente igual ou pior logo que atingam o poder.

    O Brasil está cheio de Geldofs, precisa de um Ghandi.

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  7. Sim, os recursos são escassos, mas não tão escassos que não permitam solucionar problemas básicos, como os da habitação e condições sanitárias...

    É precisamente por serem escassos que se obriga a um rol de prioridades e, elementar, os problemas básicos vem em primeiro lugar.

    Na década de 70 um conhecido economista brasileiro (Edmar Bacha) cunhou a expressão "Belíndia" para caracterizar a economia e sociedade brasileiras: metade desenvolvidas, como a Bélgica; metade miseráveis como a Índia (da década de 70). Pois bem, quase 40 anos depois, a "Índia" brasileira é mais desenvolvida que a Índia atual e a "Bélgica" brasileira é mais rica que a Bélgica...

    Lula não esqueceu os sem-terra; prefere enchê-los com dinheiro público para que continuem a fazer manifestações num país que tem cerca de 80% da população vivendo nas (grandes) cidades, exatamente em favelas. Também não esqueceu os "faveleiros" (ou favelados, como dizemos aqui); prefere conceder bolsas-família e realizar intervenções cosméticas (o "PAC das favelas") nas favelas cariocas. E só lá...

    Pior: os hábitos políticos de seu governo - afinal reveladores da cultura e das "prioridades elegíveis" - são os piores possíveis. Em vários aspectos andamos para trás nesses tempos de Lula, os estrangeiros ainda perceberão isto...

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  8. Papo de altíssimo nível entre homens half gentleman, half... como se diz cafajeste em inglês?!

    Monsieur,
    Sting, se não estou enganada, é budista... taí mais um budista que não é português ...risos!
    Considerando suas informações sobre Geldof, não me surpreenderia se estas declarações dele na entrevista citada no post possam conter algum interesse em realizar um evento "beneficente" no Brasil ou para o Brasil.

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  9. É mesmo vexatório esta aceitação que temos da degradação destes espaços segregados, talvez, quem sabe, gerada pela indiferença histórica da situação da Casa Grande e da Senzala...do velho modelo capitalista e burguês que seguimos, tendo a eficiência econômica como único critério de qualidade de vida.
    Favela não deveria ser aceitável ou assimilável, nem com urbanização e infraestrutura de bens e serviços públicos, muito menos com idéias estapafúrdias como a construção de muros, repartindo cada vez mais a cidade e revelando para quem o Estado Democrático de Direito orienta a sua atuação...
    Pobreza, desigualdade e exclusão social, paradoxo e contradição do sistema.
    Quem algo como no Soweto e o ANC de Mandela... com alguém do quilate dele...e o olhar crítico em volta...Protestos, greves, desobediência...rebelião...Uma revolução?

    Que fazer?

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  10. Corrigindo:-

    Quem sabe algo como o Soweto e o ANC de Mandela...

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  11. O Brasil tem tudo pra ser um lugar excelente!

    Mas as prioridades são submarinos.... aí fica difícil...

    Tome bolsa miséria e cale esse povo analfabeto!

    Só pode dar nisso!Uma pena!

    bj

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  12. Udi,
    kefejeist? rss

    Cora,
    o "velho modelo capitalista e burguês" deu certo em grande parte da Europa, nos EUA, no Japão e em parte considerável do sudeste asiático e da Oceania. O velho modelo socialista e "proletário" deu errado onde foi introduzido. Já o velho modelo populista-cucaracha (de direita ou de esquerda) fodeu a América Latina.
    O que fazer? Bem, certamente não fazer como o atual presidente da República, que deu o Ministério das Cidades para o partido do Maluf...

    Déia,
    sem falar nas comissões, que não devem ser nada submarinas... rss

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  13. Meu querido economista,

    já dizia o grande filósofo Cazuza:

    "A burguesia fede
    A burguesia quer ficar rica
    Enquanto houver burguesia
    Não vai haver poesia"...

    :)

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  14. Udi,

    "Cafajeste / nm Bras

    a) - indivíduo de baixa condição: lowlife
    b) - indivíduo sem maneiras: lout
    c) - canalha: bastard".

    RM,

    Concordo plenamente com as suas afirmações "a nossa sociedade ainda se divide em ordens distintas" e "somos medievais"

    Se pensarmos bem a actual concepção de república não é muito diferente do regime monárquico da idade média:

    "O Planalto" é visto como a corte do rei. Apesar dos boletins de voto só conterem a cara do Lula, a sua esposa assume o papel de "rainha" (primeira-dama) e viaja como figura de Estado, acompanhando o rei (nas eleições quem é que votou na "primeira-dama" como figura e representante do Estado, hein?). É como se o piloto de avião levasse a sua mulher no avião, o militar levasse a sua família para o quartel, o polícia instalasse a sua prole na esquadra; o mesmo se diga de muitos outros cargos do planalto: os cargos da corte não são vistos e exercidos como um trabalho, mas como uma regalia e um privilégio de eleitos extensíveis aos seus familiares.

    Além da corte, há a velha nobreza
    fundiária (os grandes fazendeiros, senhores feudais), a nobreza política (prefeitos e governadores) e a nobreza económica (administradores e directores de grandes grupos e empresas económicas), cada uns com as suas conivências e apoios do governo central, ou seja, da corte.

    O clero é preenchido pelas ordens religiosas, normalmente isentas de impostos a fim de não se imiscuírem nos assuntos políticos: há uma espécie de acordo tácito do género "vocês não se metem connosco e nós não nos metemos convosco".

    Por fim, há o povo: os trabalhadores ("felizes" por terem emprego e resignados a pagarem impostos à corte) e os subsidiados com pacs e bolsas, a forma mais eficiente de os manter sossegados e dependentes do regime e da corte.

    Enfim, há poucas diferenças da idade média: é certo que o cargo de rei não é mais vitalício nem hereditário - os reinados são mais pequenos. Mas são suficientemente grandes para que cada "rei" possa enriquecer-se e enriquecer seus familiares e amigos à custa do país.

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  15. Falta vergonha na cara!!!

    Eu vi a entrevista.

    Udi, half creeps... rsrsrs E aos dois gentlemen do pedaço, falta vontade de resolver o problema e falta de caráter da maioria de nossos políticos. Mas TAMBÉM do povo como um todo no seu dia a dia!!! Don't get me started on this... rsrsrsrs

    Beijos a todos

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  16. Anne,

    Creep = bajulador, puxa-saco, nojento.

    Ouça e veja:

    http://www.youtube.com/watch?v=nxpblnsJEWM

    Lindo ser creep assim, né? Rsss...

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  17. Mr. Almost?

    Você precisa ouvir "música que o deixe tranquilo"...Sabe? rs ;=*

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  18. Cora,
    suponho que haja quem prefira "poesia no morro", mas já perguntaram para os que vivem lá?

    Portuga,
    vou ter que divergir, em parte: é verdade que o presidencialismo de matiz americana assumiu certas características imperiais - menos nos EUA que em outros lugares - mas os controles e contra-pesos do regime democrático as limitam a níveis aceitáveis. Sem falar nos países que o mesclaram com o sistema de governo parlamentar, como é o caso da terrinha...
    As demais características são verdadeiras, pelo menos no caso brasileiro; mas o aspecto "medieval" ao qual me referi, liga-se mais à virtual impossibilidade que tem, vastos estamentos sociais no Brasil, de se contrapor ao arbítrio puro e simples e à noção implícita de cidadania.

    Anne,
    aí que tá, nega: outra particularidade do nosso amistoso e simpático povo é achar que os problemas PÚBLICOS são do governo e não do "público"...

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  19. Tendo a concordar com Monsieur Almost... recentemente, com a vinda do Sarkozy ao Brasil e a "decepção" de muitos brasileiros pela ausência da 1ª dama francesa, pensei a respeito de como madame Marisa saracoteia atrás do marido em todas as viagens e eventos. Ótima analogia com os pilotos, militares e policiais.
    E, ainda, a característica imperial fica evidente quando vemos que, apesar das mudanças dos personagens através do voto, os interesses da "classe dominante" sempre prevalecem.
    Nisso tudo, o que é mais triste é que quando ("como nunca antes neste pais") um trabalhador é eleito para ocupar o trono, o que ele faz?!
    Saudades do Brasil e de sua república que nunca houve.

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  20. Ei dona japinha,
    mantenho a divergência: o raciocínio, levado ao extremo, implica em se valorizar pouco as instituições democráticas e sua solidez.

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  21. Renata,
    bem vinda!
    Fica aí o seu recado para os que se interessarem.

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  22. Udi,

    Você me entende, guria. E sabe ler aquilo que não conseguimos expressar. Thanks!

    Cora,

    A única música que me deixa tranquilo é esta:

    http://www.youtube.com/watch?v=h-S90Uch2as&feature=related

    Todas as outras me insinuam o êxtase.

    RM,

    Ainda bem que você diverge. Rsss...

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  23. Cora,

    Você é aguria dos "hummm"! Right?

    http://www.youtube.com/watch?v=pDYxgDO5bCI

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  24. Udi,

    About bridges, for you:

    http://www.youtube.com/watch?v=GYKJuDxYr3I&feature=related

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  25. shiiiiiii... estou ouvindo the sound of silence...

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  26. Portuga e Anônimo,
    preguiça danada de ver os videozinhos.

    Continuem à vontade...

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  27. Parece não rm, bebe mesmo!!!

    E Mr Almost, Simon and Garfunkel 1969... yeeeeeees!!! Adoro essa música!!! Thanks

    Beijão aos dois

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  28. Esse é pior que a "mulher de César", Anne: parece e é! rss


    (o Portuga deu essa sugestão de música? Ué, tá melhorando de gosto musical... rss)

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  29. Parceirim, recadim pro Mr Almost, can I?

    Monsieur,
    I'm on your side too! ...when times get rough

    thanks much!

    espero conseguir, daqui a pouco, postar uma ponte lá no RM no verbo.
    ...specially for you.

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  30. Gente !
    Impressionada com tudo o que li por aqui... desde a rica postagem, até os excelentes coments !!
    Se os nossos governantes tivessem a metade da competência aqui manifestada, já teríamos meio caminho andado...
    Só me resta assinar embaixo e agradecer por esta aula de cultura e discernimento ! Parabéns a todos pela oportunidade de me inteirar de um debate de tão alto nível...
    Helô

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  31. Ontem me joguei no sofá, longe do pc rsrsrsrs, e li "The Appeal" do John Grisham de cabo a rabo...

    Embora ficção, é de uma verdade espantosa e espelha esse mundo podre, pretençamente (ou com ss??) democrático!!!!

    Uma boa leitura embora tenha me revoltado o estômago!!

    Beijos e um bom domingo
    Anne

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  32. Helô, querida,
    agradeço pela (pequena) parte que me toca. Acho que o Portuga e a Udi respondem pelo resto...

    Anne,
    e o notebook? rss
    Anotada a indicação. Thanks!

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  33. Vou ver o Verbo... Possivelmente tem adjectivos qualificativos. Mmmm... Let me go!

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