domingo, 20 de março de 2011

"Pega, mata e come"


Entre tsunamis, inflação descontrolada, guerras e emergência atômica - o assunto da semana na twitteresfera brasileira foi o "blog milionário" da cantora baiana Maria Bethânia. A notícia (leiam aqui) provocou candentes e apaixonadas reações, a maioria contrária ao projeto e até mesmo hostil à artista (veja-se, por exemplo, aqui e aqui).

Não tenho qualquer predileção pela cantora em questão, apesar de reconhecer seu talento e merecido sucesso (aquiaqui se alguém desejar saber o que penso das cantoras brasileiras), mas sinto que, bode expiatório, tem sido vítima de linchamento moral e "macarthismo" e de ambos os lados do espectro ideológico. A mim me incomodam mais as críticas que vem dos setores incrustados no aparelho do estado desde 2003, sobretudo porque, demagógicas, buscam alcançar objetivos inconfessáveis (essa turma ligada à "cultura" já havia sido objeto de duras reprimendas deste bloguinho aqui e aqui).

Creio que o grosso das críticas decorre de vasta desinformação ou ignorância dos mecanismos legais utilizados para financiar projetos culturais no Brasil. O ponto de inflexão é o governo Collor: antes dele um conjunto de mecanismos estatais (Fundos, empresas e outros organismos estatais do setor cultural) de apoio; depois a chamada Lei Rouanet - entre os dois um vácuo que praticamente extinguiu as atividades culturais no país... Qual era a lógica? O que era estatal era considerado ineficiente, caro e corrupto. Deveria, pois, ser substituído pelo setor privado. O mecanismo pensado para fazer essa substituição foi a lei que ganhou o apelido do importante intelectual (Rouanet); através de incentivos fiscais às pessoas físicas e empresas que investissem em cultura. A idéia-chave era entender a cultura como atividade econômica e usar o marketing cultural como chamariz para as empresas.

Ao longo dos últimos 20 anos este foi o mecanismo responsável por financiar cerca de 70% de toda a atividade cultural brasileira (o resto, cerca de 30%, é financiado diretamente pelo governo) em âmbito federal. Significa algo como R$ 1 bilhão por ano. É, portanto, um estrondoso sucesso! Tanto que a experiência repetiu-se em escala estadual e municipal. Será que há imperfeições na lei? Certamente! Será que houve desvio de propósitos ao longo dos 20 anos de existência do mecanismo? Muito provavelmente! Mas o que revela a repercussão do caso Bethânia vai muito além da chamada "crítica construtiva". De um lado os velhos opositores da influência do mercado no setor cultural; estes que, ao longo dos últimos 8 anos, tentaram sem sucesso (e por incompetência) acabar com a Lei Rouanet. De outro, setores contrários ao atual governo, que vêem no episódio uma chance para tirar uma "casquinha", sem atentarem para o fato de que fazem o jogo dos que endeusam o Estado...

O que está em questão não é o mérito da cantora, nem muito menos o seu projeto um tanto canhestro. O que está em questão é o financiamento da atividade cultural com alguma interface com o setor privado ou inteiramente dependente do Estado. Não há outras alternativas colocadas à mesa. Nesse caso eu me alinho aos que defendem o mecanismo de incentivo fiscal em detrimento da ingerência estatal.


Passemos então às principais críticas apresentadas que, repito, derivam basicamente da desinformação, demagogia ou má fé de seus autores. Considero que a grande maioria se enquadra no primeiro aspecto; deixarei claro quando não for o caso:

1. A cantora, bem sucedida, não precisaria de incentivos
A premissa é falsa, a lei não distingue entre bem ou mal sucedidos; vale para todos, democraticamente. Imagino que quem compartilhe desse argumento também concorde que os "ricos" não tenham devolução do imposto de renda, afinal eles "não precisam"...

2. A famosa cantora compete com novos "talentos"
Esta a idéia central que norteou a (falta de) política cultural nos anos Lula e o argumento da mais pura má-fé! O mercado (leia-se a Lei Rouanet) só se interessaria por gente famosa. do eixo centro-sul. Bethânia representa bem o estereótipo. Mas quem deve dizer o que é um "talento"? O governo ou o mercado? Por que um empresário (ou empresa) financiaria um projeto definido pelo governo e não por ele? E por que haveria de financiar o "grupo de forró de Quixeramobim" ao invés da cantora de primeira linha?

3. O dinheiro é "público"
Aqui, além da desinformação, há clara conotação demagógica. Em primeiro lugar ele só seria público se fosse efetivamente recolhido aos cofres e não há nenhum motivo concreto para supor que o fosse. O sistema tributário mais escalafobético do planeta permite um sem número de manobras e jeitinhos que até criou uma nova ciência: a administração tributária. Segundo, a renúncia não é da totalidade dos recursos empregados, mas de 40% das doações e 30% dos patrocínios (uma simpática leitora corrigiu-me quanto às variações da lei - vejam abaixo no comentário de Lana Coluccine), sempre restrito ao limite de 4% do imposto devido (no caso de pessoas jurídicas). Terceiro, esses recursos competiriam com outras demandas mais "nobres": educação, saúde, moradia... Ora, os recursos totais da Cultura representam algo em torno de 1% do Orçamento Federal... Mas o mais curioso: por que não reclamam com a mesma ênfase dos recursos subsidiados pelo Tesouro e emprestados pelo BNDES à grandes empresas? Esses são públicos mesmo!

4. Em outros países a cultura gera impostos ao invés de consumi-los
Apenas nos EUA isto é parcialmente verdadeiro; em todo o resto do planeta - inclusive nos países mais ricos e desenvolvidos - a cultura depende, em grande medida, de subsídios diretos ou indiretos. E desde sempre: basta lembrar da estreita relação entre arte e poder ao longo dos tempos. Por exemplo, não fossem os mecenas (e a Igreja) e a Renascença ainda estaria por acontecer... 

5. Há falta de "critérios"
Variação pretensamente sofisticada do argumento 2 acima, busca uma cartilha para o eminentemente subjetivo: o que e quem deve merecer incentivo! Não há resposta para a questão; a lei, democrática, deve ter validade universal e quem define o mérito é quem financia o projeto, garantidos (aí sim) os critérios técnicos e legais correspondentes. Ora, da forma como está é o mercado quem escolhe, depois do aceite técnico do Minc. Foi o que ocorreu com o projeto da cantora e com outros milhares que devem também ter sido aprovados nesse período...

6. Os valores requisitados são "absurdos"
Aqui uma inversão na relação de causalidade. Parte-se do pressuposto de que o projeto esconde algum tipo de fraude ou malversação. Se a Comissão Avaliadora aprovou é ela quem deve se responsabilizar pelos termos da aprovação. E se houver, de fato, algum tipo de fraude ou malversação, compete aos mecanismos de controle estatal (Ministério Público, Tribunal de Contas, Controladorias, etc.) fazerem o seu trabalho. Isto é muito diferente da rejeição subliminar do projeto!

7. O mérito do projeto é discutível 
O fato de o projeto cingir-se a uma mídia virtual e versar sobre poesia parece ter tido forte impacto na reação dos críticos. Voltamos aqui ao âmbito subjetivo do valor artístico: aparentemente as pessoas valorizam pouco o tema e o formato (eu mesmo usei nesse bloguinho a expressiva voz da cantora recitando os versos de Pátria Minha, de Vinícius de Morais: aqui) . Ora, o mercado (financiador e consumidor) rejeite o projeto e estamos conversados...

8. Há jogo de cartas marcadas e concessão de privilégios
Não há o que discutir: faça-se a denúncia formal ou cale-se o bico! De todo modo ficará bem mais fácil armar novos jogos de cartas marcadas e farta distribuição de privilégios, se a coisa se resolver apenas no âmbito do governo. Sem falar no risco efetivo de controle da liberdade de consciência e expressão!


Há também os que defendem a cantora e seu projeto, mas mesmo estes o fazem com ressalvas à lei de incentivo cultural, considerando-a um estorvo ou uma humilhação à qual estariam submetidos os "artistas". A Lei Rouanet virou, de repente, a Geni da música, recebendo bordoadas de todos os lados. Seus algozes assemelham-se um pouco ao carcará (Polyborus plancus), também conhecido como águia-brasileira. A rigor não é propriamente uma águia, mas um falcão. No entanto, diferentemente deste, não é um predador especializado e sim um generalista e oportunista. Na verdade está mais para urubu:

33 comentários:

  1. Discordo - sobretudo do item 8. Maria Bethania e seus produtores não fizeram nada de errado, já que a lei abarca seu caso, como você disse. Mas isso não a torna imune a críticas dos cidadãos. Eles devem sim criticar e expor ao ridículo artistas que, sem precisar, decidem usar o dinheiro que, sim, seria público (é muito ruim o argumento do item 3).
    A mesma coisa com o cine Belas Artes. É errado mudar leis e obrigar o proprietário de usar sua propriedade (além de ser um tiro no pé, pois dificultará a instalação de mais cinemas de rua). Mas é democrático fazer protestos, críticas, boicotes e campanhas para tentar evitar o fim do tal cinema.
    abrx!
    Leandro

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  2. o argumento do 3º ítem é ridículo. é apenas uma especulação nos mesmos moldes das que o autor critica nos argumentos contra o projeto.

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  3. Leandro,
    bem vindo! Bom, o item 8 é uma das críticas mais veladas à Lei Rouanet: sabe-se do apadrinhamento e do esquema com as estatais, principalmente a partir do governo Lula. Sabe-se também que rola jabá e "troco"... Respeito sua opinião quanto ao ítem 3 mas mantenho a minha própria: qualquer administrador fazendário sabe onde escriturar renúncia fiscal e não é na coluna de receitas...

    Cris,
    bem vinda! Não é uma especulação. Afirmo que só pagam imposto de renda de pessoa jurídica grandes empresas "fáceis de fiscalizar" ou manés absolutos. O resto faz "administração tributária"... E por que você não demonstra sua tese ao invés de criticar sem qualquer argumento?

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  4. Muito sensata suas considerações.
    Uma visão mais universal sobre acontecimentos é nescessária para que tenhamos uma visão menos tendenciosa da realidade.
    Focar um ou outro ponto, de acordo com o que gostamos ou concordamos, não ajuda em nada a compreenção de um fato.

    Continuas afiado, zifío!

    (Ô Roney..., como faço pra juntar Face e o Blogguer? Tinha encontrado o jeito, mas, sumiu!)

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  5. Muito obrigado pelo simpático comentário, Sylvio!

    Não faço a menor idéia, amigo... rss

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  6. Afinal qdo vai sair o blog dela, tou louco para ver ela recitando poesias. #vaisonhando

    @alacwb

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  7. "o Inverno da Alma" custou dois milhões de dólares. Vc não acha 750 mil dólares um exagero para um blog? Isso sem falar que há diretores "incentivados" que deixam de colocar dinheiro na produção pra ir pro ralo de algum banheiro novo da sua casa.

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  8. Ô Roney,,,
    Das coisas importantes, vc 'não faz idéia'???
    Rêrêrê!!!!!

    Cheguei até aqui por ter visto este post no Face, por isso minha pergunta.

    Grande abraço.

    (E o Mr. Almost, sumiu??)

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  9. Paulo Gilberto Morais dos Santos PeGê21 de março de 2011 às 14:23

    1) Fui um dos críticos do Twitter; 2) conheço razoavelmente bem a Lei Rouanet e, nesse conhecimento, baseei o que disse; 3) os recursos são públicos, sim, haja vista tratar-se de renúncia fiscal; 4) uma hora de poesia recitada ao custo de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) é um absurdo em qualquer lugar do mundo; e 5)dessa vez me obrigo a discordar de muito do que você disse.

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  10. André,
    bem vindo! Acho que vai demorar. A reação foi tão desproporcinalmente violenta que shows da cantora foram cancelados...

    Cebola,
    bem vindo! Eu não acho nada. Quem deve saber é a Comissão Avaliadora e/ou os organismos de controle dos recursos públicos... Agora, se você tem certeza do que afirma por que não denuncia?

    Sylvio,
    eu sou um especialista em generalidades, um mero carcará! rss O Portuga deve ter tomado umas bordoadas (merecidas) de alguma gata da rede e deve estar meio jururu... rs

    Pegê,
    bem vindo! Se eu quisesse só ouvir elogios não teria aberto a página de comentários, né? Respeito sua opinião, mantenho a minha mas não disse que o dinheiro não é público. Falei que nada garante que seria arrecadado; que deduz-se apenas parcialmente os montantes; que não concorrem com outras demandas e que os críticos não dão o mesmo tratamento indignado a, por exemplo, os empréstimos subsidiados do BNDES.

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  11. Caraca!!!! O cara não perdoaria (acho), nem mi abuelita!!!!!

    :P

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  12. Pra mim não importa se é dinheiro público ou não. Só acho muita vela pra pouco defunto. Quem quer ver a horrorosa da Maria Betânia recitando poesias? Esse dinheiro deveria ser melhor empregado. Se querem investir em cultura, deveriam levar teatro nas escolas públicas.

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  13. Se o problema está na Lei e na aprovação convenietnte dos projetos, uma artista com caráter se negaria a participar deste roubo escancarado. A ética está mesmo relativizada nas esferas governamentais e artísticas. @sulains

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  14. resumindo a Lei Rouanet:

    a empresa devia R$ 100,00 em impostos.
    mas deu R$ 4,00 p/ o projeto e R$ 96,00 p/ o governo em impostos.
    ou seja, não tirou um único centavo do bolso.
    e ainda, vai ter propaganda de graça como "patrocinadora" do projeto. E um departamento de marketing de uma empresa privada esta decidindo qual projeto cultural merece receber verba publica e qual não merece.
    e nós, publico, que somos os verdadeiros patrocinadores porque o dinheiro é nosso, muitas vezes não temos acesso ao projeto cultural porque os preços dos ingresos ou dos produtos são caríssimos.

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  15. Sylvio,
    bom cara, aí não entro no mérito... rss

    Terezinha,
    agradeço o comentário. E tendo a concordar. Mas levar que teatro, financiado por quem?

    Sulains,
    bem vinda! Agradeço o comentário, com o qual concordo, mas devo complementar que a falta de ética se manifesta em várias outras esferas da vida social brasileira.

    Maurício,
    não é correto seu raciocínio, o abatimento não se faz na integralidade do apoio. De outro lado, chega-se aos resultados por você apresentados se a decisão e o financiamento forem "exclusivamente" públicos. Posso afirmar que os preços dos ingressos e produtos são fortemente subsidiados. Inclusive pela existência da lei...

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  16. Maurício, acho que a desinformação do nosso povo causa esse tipod e problema. Inclusive, a cultura da pobreza, e nós a temos, nos faz pensar que uma artista brasileira não pode ganhar 600.000,00 durante um ano. mas ninguém questiona o salário do Will Smith, ou das top models, inclusive das brasileiras.
    Sou músico, do Ceará (conheço Quixeramobim) acho que vc foi infeliz na comparação, pois no interior do Ceará tbm pode ter (e tem) muitos músicos de qualidade... como ia dizendo, sou músico do Ceará, estou lançando esse mes meu primeiro trabalho, até agora não consegui captar meus projetos pela Lei Rouanet, mas espero conseguir nos próximos tempos, notoriedade suficiente para que meu trabalho seja bem visto por um empresário, seja quem for. O Mundo está aí para todos, e a internete é uma ferramenta que pode ajudar nessa transformação. Então amigos "reclamantes" de plantão: corram atraz, se façam ser notados, trabalhem, e sejam (falo do talento) ao menos a metade de uma Bethânia (que nem curto) para poder ter o interesse de alguém pela sua música.
    Agora, sobre a Lei (que conheço profundamente) não tem assim tantas distorções, a distorção maior é a falta de informação (muitos não a conhecem) e a preguiça dos que conhecem e não têm coragem de sentar o rabo numa cadeira e elaborar o seu projeto.

    Grande Abraço!

    Khalil Gibran
    www.myspace.com/khaliloficial

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  17. Khalil,
    bem vindo! Agradeço o comentário e posso afirmar que nada tenho contra o Ceará ou Quixeramobim, foi só uma figura de linguagem...

    Para demonstrar peço que você leia (e escute) o post imediatamente anterior a este, no qual faço uma homenagem ao grande letrista cearense Fausto Nilo...

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  18. Mas será que ninguém se manca de que existe o Google que permite a qualquer um fazer um blog,site ou vlog de graça e ainda com possibilidade de gerar receita desde que com conteúdo próprio ? Indiferente deste dinheiro ser público ou não, é desnecessária a captação de verbas da Lei Rouanet pra fazer um blog ! Avisa a Bethânia ai ô !

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  19. Maurício,

    em nenhum momento achei que vc tivesse nada contra o Ceará.. rsrs. Meu comentário foi apenas para alerta-lo evitar comparações dessa natireza, pois um "cabeça de oprimido qualquer" pode interpretar de forma errônea. Entendeu?
    Quanto ao Fausto, é maravilhoso! e é de Quixeramobim! haha.
    Um abraço grande e obrigado pela contribuição para nossa democracia!
    Grande Abraço!

    Khalil Gibran
    www.twitter.com/khalilgoch

    P.S. Existe Hospedagem de site de graça também, mas todo artista quer fazer seu .com.br, né? e ninguém questiona isso também. Ora!
    Meu povo, deixa a mulher trabalhar e vamo trabalhar!
    P.S. 2. Projeto aprovado não significa projeto captado... ja deram uma olhada nos projetos anteriores dela? vão lá no MinC, no site, muitos não estão captados, uma pena, imagina, uma artista que tanto contribuiu para nossa música e não consegue captar um projeto. Ah, mas as micaretas captam! e ninguém questiona!

    Abraços

    Khalil
    www.twitter.com/khalilgoch

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  20. Show de bola, a sua explanação e explicação, RM!! Vc é bom nisso, sem dúvida alguma! Parabéns!
    Tomei a liberdade de transcrever o trecho abaixo, não só pela pertinência com o assunto, assim como, acredito, nos trará mais esclarecimentos sobre a polêmica:

    Sempre é bom passar pelos seus aposentos, mineirim!! rs
    Beijinhos doces!
    Helô

    "Trata-se de uma produção de 365 minutos de filme. 6 horas de duração. São 365 poesias de diversos autores brasileiros, declamadas por Bethania. Se isso fosse um documentário de DUAS horas que custasse o dobro ou o triplo e passasse no cinema, duvido que haveria este levante de queixosos. O levante de queixas, ao que me parece, deriva do fato de que se trata de uma obra a ser exposta na internet. Vejam o caso de "Tropa de Elite": custou uma verdadeira fortuna, teve incentivo da Lei Rouanet, e não houve este burburinho todo em torno, apenas um ou outro reclamante do suposto mau uso da lei de incentivo. Estamos aqui falando de um site com 365 poesias brasileiras recitadas por uma mulher de voz linda e dicção perfeita, tudo isso na internet de graça pra quem quiser acessar. Trata-se de obra de valor inestimável."

    ( palavras de Alexey Dodsworth Magnavita, que tb discutiu de forma inteligente a polêmica em questão, em sua página no Facebook. )

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  21. Muito boa sua colocação! Publiquei um posto sobre o assunto mas reconheço que aqui vc disse tudo!

    Parabéns!

    @claudiafarnesi

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  22. Concordo em grande parte com suas colocações. Só que na prática as coisas não funcionam bem assim. A Lei Rouanet aprova praticamente tudo que é tipo de projeto, da autobiografia da dupla sertaneja Zé da Pinga e Junior da Cachaça a Bienal de Artes. Até aí morreu Neves (sem trocadilho). Na hora de captar recursos, os patrocinadores costumam apostar sim, em nomes conhecidos e projetos com garantias de sucesso. Não interessa aos empresários somente o abatimento no IR, mas principalmente a associação de sua amrca a um evento bem sucedido. No fundo, a grana é um investimento em marketing, em publicidade, ou seja, bancado pelo governo! Nao existe mecenato, no sentido literal e histórico da palavra. Críticas, reclamações e debates? Só me lembro dos pequeno escândalos com Guilherme Fontes, que captou 36 milhões para o filme Chatô e com Norma Bengell e O Guarani. Existe um enorme ralo por onde escoam muitos dinheiros que financiaram projetos pra lá de duvidosos. E em tempos normais, não há discussões, debates, críticas, reformas, transparência!
    Quanto a Maria Betânia, caetaneou demais! Acho que o nosso país dispensa esse tipo de poesia milionária. Ela pode entrar com novo projeto no MinC e captar o valor justo, que seria 99% menor.

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  23. Gostei da sua abordagem. Mesmo que minha opinião possa ser parcial sobre o assunto, porque sou fã da Bethânia, mas devo reconhecer que a sua opinião foi imparcial e bem argumentada.

    Beijocas

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  24. Ângelo,
    bem vindo! O nome "blog" parece ter mais relação com o fato de já ser expressão de reconhecimento universal. E o grosso dos custos, como disseram vários comentaristas aqui, parece estar relacionado com as filmagens propostas. De todo modo devo enfatizar que NÃO defendo o projeto, apenas não concordo com o linchamento da artista e com a "genização" da lei...

    Khalil,
    eu entendi o seu recado, mas achei por bem explicitar minha opinião. E sim; projeto aprovado NÃO significa projeto captado...

    Helô querida,
    show de bola é sempre que você vem aqui; esse chalezinho nas montanhas ressente-se muito da sua ausência... Na mosca o trecho que você trnascreve...

    Cláudia,
    bem vinda! Agradeço muito o simpático comentário.

    Xênia,
    compreendo bem suas ressalvas e até com elas concordo em grande parte. Mas a lei é mesmo de marketing cultural e, exatamente, porque não temos mecenas. Os desvios ou maracutaias devem ser tratados no âmbito respectivo: jurídico administrativo ou penal. Não é por que ocorre corrupção em obras públicas que se defenda a extinção da lei de licitações, né?

    Dama de Cinzas,
    bem vinda! Agradeço o simpático comentário.

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  25. Bem bom o seu enfoque, rm.

    O fato é que dos recursos mediante renúncia fiscal como a lei Rouanet, 50% tem sido destinados a 3% dos proponentes de projetos culturais, e os outros 50% são disputados pela grande maioria, num mercado viciado em que as empresas privadas é que decidem qual projeto vai acontecer, de acordo com suas conveniências e interesses. É assim que tem sido e parece não haver ainda uma fórmula ideal para repartir o incentivo público.

    A polêmica em torno do projeto da Bethânia serve para levantar questões sobre pontos que precisam ser revistos nas leis de incentivo à cultura, que, convenhamos, foram subvertidas.

    Só não entendi, nem a implicância com a própria nem a repercussão do projeto da Bethânia, que parece interessante e, considerando o meio - um blog, vai cumprir fácil a determinação legal da acessibilidade do público (outro ponto polêmico no que diz respeito à fiscalização desses projetos aprovados pelo MinC).

    Achei que pegaram pesado demais com a respeitável cantora. Trata-se de uma questão cultural e a cultura leva-nos à educação...

    Por falar em projetos culturais, rm, cê viu que, juntamente com o projeto da Bethânia, foi aprovado o projeto "Redescobrir Elis", do produtor João Marcello Boscoli, que prevê cinco shows de Maria Rita homenageando a mãe e também uma exposição itinerante, com gastos da ordem de R$.5.000.000,00... É uma cifra considerável, não?

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  26. Caboclo!

    683 acessos num único dia do ano de 20.011 comprova que o chalé é uma casinha com futuro. Não quero deixar de parabenizar hoje mesmo o feito inolvidável, até porque daqui a vinte mil anos devo estar a fazer tijolo há um tempo bem grandão:

    Muitos Parabéns!

    Sobre o assunto da Bethania não tenho nada a dizer, a não ser que futebolistas 365 vezes menos merecedores recebem mais para dar uns pontapés na bola aos domingos à tarde. O mundo, do Brasil à China, está cheio de contradições, de excessos e de desiquilíbrios.

    Sabe uma coisa Roney? Aquele portuga depilado que aluga barriga de mulher para ter filho, o Cristiano Ronaldo, ganha mais do que o Presidente do Banco Mundial e do Secretário-Geral da ONU juntos.

    Well, está certo porque nos dias de hoje o certo é o que não é certo, right?

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  27. Cora,
    acho que sim, são esses os dados. A questão é: qual a alternativa? Deixar toda a grana nas mãos dos cretinos que mandam no Minc? Aí serão ainda mais concentrados e se fará política (da pior espécie) com eles: só o que interessar a el rey. Não me canso de repetir: essa polêmica só interessa aos NEO-STALINISTAS incrustados nos governos Lula-Dilma. Estes mesmos, os quais acabo de referir-me, usando o mesmo argumento, criaram programas (uns tais "Pontos de Cultura") e consumiram dezenas (senão centenas) de milhões de reais aparelhando grupos de periferia. Você é capaz de citar uma única "revelação cultural" que tenha saído dessa MERDA? Por fim, e nem de longe tocamos no assunto: a questão está na Educação e não na Cultura!

    Portuga,
    Muito obrigado. Para um bloguinho que tem média de apenas uma centena de acessos diários é algo de fato extraordinário... Aquele boiola perna-de-pau ganha isso tudo? rss

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  28. O tamanho do buraco é mais embaixo. Há anos que casos como esse da Bethania acontecem. Só que o povo nunca se importou. Bethania, provavelmente, pensou que seria só mais uma das investidas para conseguir dinheiro, pois pra quem tem alguma relevância isso é facílimo. As leis de incentivo fazem de todos os brasileiros os palhaços ideais. É permitido a todas as empresas investirem em cultura usando 4% do imposto devido. Algumas empresas não fazem isso e os 4% são arrecadados normalmente. Principalmente as grandes empresas usam esse dinheiro para se auto promoverem junto com os produtos que patrocinam. O Bradesco, com esses 4% trouxe Cirque du soleil e Paul McCarthney. O dinheiro seria bem usado se não promovesse o Bradesco. Inclusive 75% dos ingressos do Paul McCarthney foram disponibilizados exclusivamente para clientes Bradesco. Só esse dinheiro dava pra gerir cultura em toda a cidade de São Paulo por mais de 1 mês. Ou seja se o Bradesco quer promover seu nome que tire dinheiro do bolso e não use dinheiro que deveria ser recolhido para que os brasileiros tenham mais acesso à educação e à saúde. Todos os bancos fazem isso. O Itaú Cultural é todo bancado com esse dinheiro. Eu sou cineasta e pergunte quanto eu tenho pra fazer meus filmes. Respondo: zero. Eu não sou famosa então pra que a Petrobras vai investir em mim se tem tantos Cirques du Soleil do mundo todo pra ganhar esse dinheiro? Eu defendo que 4% do imposto recolhido vá pra um Fundo de Cultura e seja usado pra bancar projetos de cultura em todo o Brasil. Isso seria justo. E Bancos e grandes empresas estatais ou não que queiram que seu nome apareça nos grandes projetos de cultura do país que paguem por isso. Você acha justo eles desviarem 4% do imposto que deveriam pagar pra pagarem horários milionários nas televisões divulgando os grandes shows pra promoverem suas próprias empresas? O povo ligado à cultura não tem vergonha na cara. Isso que eles realizam através dessa lei sem vergonha é apenas marketing pra graúdos. Quem quiser viver de cultura aqui no país não vai conseguir nunca. Sempre vai ficar na mão de meia dúzia. Dona Maria Bethânia, Seu Caetano Veloso, Seu Chico Buarque: tenham vergonha na cara. Vocês não precisam usar dinheiro público pra se vender. O lucro de um trabalho é uma coisa. Meter a mão no dinheiro público é outra, mesmo que essa lei feita por gente desonesta, que legisla em causa própria, passe para todos como grande coisa.

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  29. Portuga,
    já corrigi a data. Agradeço a leitura atenta e a grande capacidade de encher o saco... rs

    Bernadete,
    bem vinda! Agradeço muito o qualificado comentário. Mas preciso divergir: já existem os tais fundos para o cinema, uma agência específica para cuidar do setor e um monte de gente querendo mamar nas tetas públicas. Agora, se para o caso do cinema que, por sua natureza, tem fortes vínculos com o mercado (cultural) estão pedindo dinheiro direto do papai Estado, imagine-se então com o resto (poesia?!). E mais, levando-se a demanda ao paroxismo vão acabar reinventando a Embrafilme, de triste memória. Lembra-se? Celso Amorim financiava porno-chanchadas lá antes de fazer as suas próprias no comando do Itamaraty... Você tem razão quanto às "fundações" das grandes empresas, mas sem o estímulo duvido que as empresas empregassem alguma coisa em cultura. Ou seja, mesmo tendo o objetivo do auto-elogio, acabam contribuindo para movimentar o "mercado" cultural. Peço desculpas, mas discordo totalmente da sua opinião.

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  30. Bom, no item 3 há um erro técnico. A Lei rouanet prevê dois enquadramentos possíveis para um projeto: artigo 26 e artigo 18.

    No artigo 26 a empresa só pode abater do imposto de renda 30% de patrocinio e 40% de doações. Entende-se por patrocinio quando a empresa aparece na publicidade do projeto cultural e por doação quando ela permanece anonima. Como a verba destinada ao projeto pode ser computada como despesa operacional, a empresa acab pagando efetivamente menos. Mesmo assim, uma quantidade consideravel do recurso do projeto é fruto da iniciativa privada.

    Já no artigo 18, que priveligia algumas areas culturais especificas (produção de livro, produção cinematografica, teatro, entre outros) a empresa tem direito a 100% de renuncia fiscal. Isso significa que todo o dinheiro que a empresa der ao projeto poderá abater do imposto de renda. Não há mais a diferença entre patrocinio e doação: nesse artigo todas as empresas podem se benefeciar de ações de marketing.

    Quem quiser ver a integra da lei pode acessar esse site: www.planalto.gov.br/ccvil/leis/L8313cons.htm

    O projeto da Bethania foi aprovado no artigo 18 o que garante aos patrocinadores 100% de isenção fiscal. Quem quiser verificar isso é só ir na seção "Acompanhamento de projetos" no site do MinC (www.cultura.gov.br) e buscar pelo PRONAC do projeto: 1012234

    O projeto da Bethania certamente não é o maior absurdo que ja passou pela CNIC e pelo MinC. Em 2005, mais de 9 milhoes (tb enquadrado no artigo 18 com 100% de isenção) foram utlizados para trazer o Cirque de Soleil ao Brasil com ingressos a R$400 e "oficinas culturais" que na verdade eram seleção de elenco do próprio circo. Duvido que o mesmo empreendimento nao poderia ser feito com: a) renda da bilheteria; b) venda de contas de propaganda. Quem quiser pesquisar o projeto, pode utilizar o PRONAC 046458.

    Acho que a Lei rouanet carece de reformulações sim, bem como os critérios de seleção da CNIC (comissao que aprova os projetos) precisam ser mais claros. O governo ja "discrimina" projetos por serem de um segmento ou outro (enquadrando alguns no artigo 26 outros no 18 por acreditar que algumas areas necessitam de mais investimento que outras).

    Entao não é nenhum absurdo solicitar medidas do genero para favorecer artistas iniciantes em detrimento dos famosos e com aceitação de mercado. Afinal quem mais precisa de ajuda e financiamento é quem está começando.

    Há outras considerações a se fazer tambem, principalmente com relação a remuneração. Há alguns anos atrás se discutia o limite para remuneração do captador de recursos. Em tese o captador de recursos pode receber até 10% do valor do projeto. Mas quando o projeto é muito grande, o valor supera em muito a quantidade de trabalho que o sujeito/empresa tem.

    Se cabe essa discussao para o captador de recursos, porque não para outras funcoes do projeto? Ou mesmo um limite percentual, algo tipo "a remuneração total de nenhum participante do projeto pode exceder 30% do valor total do mesmo"? Já existem limites do genero para quanto o projeto pode dispendiar em propaganda e gastos administrativos... Então, também nao seria nenhum absurdo propor isso...

    Enfim, cabe muita discussao e se há algum mérito nessa confusão foi a quantidade de pessoas que tentou compreender e debater a lei...

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  31. Lana,
    bem vinda! Vejo tratar-se de uma especialista na matéria e agradeço muito o seu comentário que, realmente, acrescentou ao artiguinho.

    Eu não sou especialista e não tinha conhecimento das distinções entre os artigos da lei. Mas também não creio que invalide o argumento, afinal parece tratar-se de uma exceção o tal artigo 18, sendo o 26 a regra geral.

    A mim me parece também bastante razoável a idéia de aprimorar ou mesmo reformular a lei em questão (achei muito bons os exemplos que você deu), mas isto é muito diferente da reação quase histérica que pedia a extinção do dispositivo e, pior: a ameaça oculta de retroceder tudo à competência estatal...

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  32. Rony, o maior erro no Brasil é sempre já contar com o pior. A Embrafilme era ruim porque tinha muita gente desonesta. Em vez de jogar os desonestos pra fora e começarem a bancar filmes decentes, que fizesse o cinema brasileiro decolar no exterior (é isso que dá retorno ao produtor), fecharam a Embrafilme. Fechar e não fazer leis que sirvam como um Fundo de Cultura, é sempre contar que tudo vai continuar ruim. Não é justo de forma absolutamente nenhuma as empresas usarem dinheiro desviado de impostos para auto promoção. Eles podem pagar por isso sim. Os lucros dos bancos são recordes mundiais. É absurdo pensar que eles não vão se interessar quando tiverem que tirar dinheiro do bolso. Vão sim porque a alma do negócio chama-se marketing. Se alguns ladrões tomarem conta do Fundo de Cultura cabe a nós denunciarmos e trocarmos até que dê certo. Você acha justo o dinheiro público pagar um filme e depois você pagar 19 ou 20 reais pra ir ver aquele produto que você já pagou? Lembre-se: as salas de cinema também usam de dinheiro público, inclusive as grandes redes estrangeiras de salas de cinema. Um Fundo de Cultura poderia muito bem patrocinar projetos de cultura de médio e pequeno portes em todo o Brasil. De 1 bilhão gastos com cultura no ano passado (lembre-se 1 bilhão que foi desviado dos impostos), 85% ficou entre Rio de Janeiro e São Paulo. As grandes empresas podem patrocinar os grandes filmes e grandes projetos culturais de seu próprio bolso e quem sai ganhando é o povo que vai ter mais cultura e mais diversificada.

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  33. Bernadete,
    respeito muito sua opinião porque você é do ramo, mas acho que não chegaremos a consenso neste assunto.

    A Embrafilme foi o símbolo do desperdício, do mau gosto e da picaretagem. Duvido que o setor privado apoiasse aquelas porcarias que só foram produzidas porque mandava, soberano, o Estado. É isso que você quer de volta?

    Por outro lado, do ponto de vista fiscal e tributário, nada muda se forem constituídos outros e mais fundos: é o contribuinte quem paga. Se vier do Orçamento, pior ainda: compete (ainda que em pequeno montante) com educação, saúde, etc.

    Sobre o preço dos bens culturais o tema parece-me muito mais complexo. Não deveria haver subsídio para produtos ou obras que já tem apoio. Mas, provavelmente isto inviabilizaria o grosso das atividades culturais. Se um filme não se paga, mesmo recebendo financiamentos e incentivos, ele NÃO deve ser feito. Esta a elementar regra de mercado omitida pelo discurso estatista... Quanto a, por exemplo, um livro, mesmo de graça não deverá ser "consumido" pelo público que, simplesmente, não lê!

    Sobre a predominância dos gastos no eixo centro-sul, isto também era verdade antes da lei. E mais uma vez, por que os "artistas" detestam tanto o "mercado", que é, tão somente, o respeitável público?

    Por fim, ninguém pode obrigar empresas a patrocinar lhufas; elas patrocinam o que resulta em ganho, de receita ou de imagem. O resto é trololó de petista...

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