
Poeta ou poesia em suspensão?
Confesso não ter imaginado que esta tarefa fosse tão difícil, ao menos para mim. Mas fato é que não consegui dar sequência a uma das ideias que me motivou criar esse bloguinho: apresentar novas escritoras, de uma safra que parece especial, algo que considero fenômeno recente, instigante e ligado às novas formas de expressão pela web. Mas se não tenho competência para avaliar, literariamente, a escrita de um número expressivo de novos talentos; sei do que gosto!
Do label (ou rótulo para usar nosso vernáculo) Mulheres que Escrevem havia selecionado apenas Eliana Mara Chiossi e Simone Maia, até aqui. Tenho o prazer de apresentar, agora, a poetisa (ou poeta) Sávia Gabi. Em foto e verso (ou foto-poema), Sávia une, com talento transbordante, o sentido da visão e todos os demais sentidos: a poesia. Goiana criada no Tocantins, mora em Brasília. Muito jovem (e bonita), 26, mãe solteira de muitos versos. Alguns premiados.
Seu estilo, peculiar, me impressionou. As formas lembraram-me um pouco João Cabral de Melo Neto. Mas a funda feminilidade da temática contrasta com o rigor formal e a conhecida "racionalidade" do grande poeta pernambucano. Acho que, definitivamente, não é por aí... Outrossim, poesia visual e sonora, cheiro de interior ("interior do interior"), agreste-doce, rude-mulher; imagens de um Brasil inédito (as fotos, textos e foto-poemas de Sávia podem ser conhecidos aqui e aqui).
Escolhi uma crônica da poeta... Mas a seguem versos, dos quais desejei omitir o título.
Objeto desejo de ver...
Hoje recebi um torpedo que há muito não recebia, pelo menos dessa tal pessoa! Assim dizia: “O que irá fazer hoje depois das 10?” (considere que 10, aqui, seja 22h! Já que recebi a mensagem às 17:54h). Respondi: Olá, tudo bem? Há quanto tempo... Bom, o que eu sei é que preciso estar em casa depois das 10.
(Confesso! "Há quanto tempo" eu não escrevi, mas queria ter escrito).
A pessoa me responde: “Pouxa... Queria te ver...” (É “pouxa” mesmo! Linguagem tecnologicamente considerável).
A pessoa não entendeu o “Olá, tudo bem?” (o “há quanto tempo” subtendido).
Ah, Deus! Temos de sempre dizer tudo ao pé da letra para os homens? Será mesmo que eles não tem a elevação espiritual de entenderem o que uma mulher quer dizer com um “Olá, tudo bem?” depois de receber uma mensagem diretamente fria, objetiva, sem nem ao menos perguntar: “e aí? tá viva?”
Confesso que talvez eu não tenha escrito o “há quanto tempo” para parecer a mulher “insensivelmente resolvida” do tempo de não sei o quê (coisa que só o meu inconsciente me responderia com maior precisão).
Parece que pensar no tempo em que não se tem notícia de alguém seja no mínimo démodé... E daí? Queria que ele soubesse que eu reparei no tempo em que não nos falávamos e que essa mensagem abordada assim, tão friamente tosca, revela-me apenas o desejo objeto de me ver...
Respondi: Bom, se quiser me ver, venha me fazer uma visita... Estarei em casa (ele nunca veio a minha casa. Então, uma pequena provocação).
Mas ele parece não continuar entendendo: “Te ligo. Beijo”.
Passam-se alguns minutos e ele me confirma o objeto desejo de me ver: “Está sozinha em casa?”
“Não! Acompanhada das outras duas moradoras daqui: mãe e irmã...”
“Hummmm melhor deixar pra depois?” Agora eu tenho certeza de que ele não entendeu...
Neste momento, minha ansiosa alucinação de desespero me faz ignorar a interrogação! Deixo passar a oportunidade de dizer um “não” diretamente frio e objetivo no “não querer vê-lo objeto” (nem agora, nem depois) e numa frouxidão de meninice disse (talvez sempre na esperança do “agora vai dar pé”): É... Pode ser... Durante a semana é melhor que seja mais cedo...
“Ta bom. Saudade, beijo”.
Aí eu me acabei na meninice e perdi a parada:
“Saudade também! Grande beijo”.
Pensei em convidá-lo para sair amanhã. Mas sabe o que descobri na puta fofoca tecnologicamente considerável? Ele vai estar amanhã com a namoradinha socialmente conveniente... Aquela que ele diz: “Olá, tudo bem?” Mesmo que haja subtendido, mesmo que ela não o entenda, mesmo que ao final das contas ele não apenas a veja objeto, mas a tenha objeto, e mesmo que não falem em “Há quanto tempo”...
Ah! Eu queria ter falado... Eu deveria mesmo ter falado! Vacilei... Entristeci... Perdi.
Do cálice, do som e de Capitu
Um me toca sem palavras
Me molha o paladar
Penetra o meu útero
E me deixa estéril...
O outro me toca com palavras
Me nega a sua pele
Me leva ao orgasmo
E me faz um filho...
Eu me embriago com um
Sofro pelo outro
Deleito em desenganos
Mas nunca deixo os dois:
Nesta paixão triangular
Esqueço a ordem da gramática
Aclamo às leis da matemática
E elevo meu espírito!