É claro que estão misturadas, pois assim estão na própria vida; mas naquela cidade, envolta em neblina e velhos casarões, nunca se sabe ao certo o que é real, surreal ou fantástico...
Sobre um dos seus principais personagens, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, sabe-se, com certeza, muito pouco, nem mesmo a data exata do nascimento do gênio do barroco mineiro: se 1728, 1730 ou 1738. Também nunca teria sido possível comprovar se ele era mesmo filho de um português e de uma escrava. Mas, principalmente, há grande controvérsia sobre a autoria de muitas das obras a ele atribuídas...
Recentemente, a historiadora ouro-pretana, Guiomar de Grammont, publicou livro no qual contesta a autoria de várias obras e mesmo a sua doença (Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial, Civilização Brasileira, 2008). Lembro-me de ouvir, há muitos anos, o antropólogo Darcy Ribeiro defender tese semelhante, dizendo que o genial artista era um negrão bonito, forte e mulherengo... (conheçam aqui o site do Museu Aleijadinho)
Segundo Guiomar o mito "serviria à construção de uma identidade nacional, tanto política como artística." E quanto à questão da autenticidade: "Como o trabalho naquele tempo era coletivo, fica difícil saber quem fez o quê (...) Aleijadinho pode não ser uma só pessoa, mas o resultado do trabalho de diversos artistas do mesmo estilo" (citações daqui).
Imagem de Nossa Senhora das Dores (em detalhe à direita), considerada uma autêntica obra de Aleijadinho.
A poesia
Bárbara Heliodora ( c. 1758- 1819) foi esposa do grande poeta inconfidente Alvarenga Peixoto (aqui para uma rápida biografia). A ela é atribuída a autoria, altamente controversa, de apenas dois poemas: um soneto dedicado a sua filha, Maria Ifigênia, e os versos que abaixo reproduzo:
Conselhos a meus filhos
Meninos, eu vou dictar/As regras do bem viver,/Não basta somente ler,/É preciso ponderar,/Que a lição não faz saber,/Quem faz sabios é o pensar.
Neste tormentoso mar/D'ondas de contradicções,/Ninguem soletre feições,/Que sempre se ha de enganar;/De caras a corações/A muitas legoas que andar.
Applicai ao conversar/Todos os cinco sentidos,/Que as paredes têm ouvidos,/E também podem fallar:/Ha bixinhos escondidos,/Que só vivem de escutar.
Quem quer males evitar/Evite-lhe a occasião,/Que os males por si virão,/Sem ninguem os procurar;/E antes que ronque o trovão,/Manda a prudencia ferrar.
Não vos deixeis enganar/Por amigos, nem amigas;/Rapazes e raparigas/Não sabem mais, que asnear;/As conversas, e as intrigas/Servem de precipitar.
Sempre vos deveis guiar/Pelos antigos conselhos,/Que dizem, que ratos velhos/Não ha modo de os caçar:/Não batam ferros vermelhos,/Deixem um pouco esfriar.
Se é tempo de professar/De taful o quarto voto,/Procurai capote roto/Pé de banco de um brilhar,/Que seja sabio piloto/Nas regras de calcular.
Se vos mandarem chamar/Pâra ver uma funcção,/Respondei sempre que não,/Que tendes em que cuidar:/Assim se entende o rifão./Quem está bem, deixa-se estar.
Devei-vos acautelar/Em jogos de paro e tópo,/Promptos em passar o copo/Nas angolinas do azar:/Taes as fábulas de Esopo,/Que vós deveis estudar.
Quem fala, escreve no ar,/Sem pôr virgulas nem pontos,/E póde quem conta os contos,/Mil pontos accrescentar;/Fica um rebanho de tontos/Sem nenhum adivinhar.
Com Deus e o rei não brincar,/É servir e obedecer,/Amar por muito temer/Mâs temer por muito amar, /Santo temor de offender/A quem se deve adorar!
Até aqui pode bastar,/Mais havia que dizer;/Mâs eu tenho que fazer,/Não me posso demorar,/E quem sabe discorrer/Póde o resto adivinhar.
Terror real
Começou ontem o julgamento, em Ouro Preto, de 4 jovens acusados de assassinar a estudante Aline Silveira Soares, em 2001. O caso teve grande repercussão na época, ligado que foi a rituais de magia negra e ao jogo conhecido como RPG (rolling playing game).
"O corpo de Aline Soares foi encontrado em cima de um túmulo no cemitério da Igreja Nossa Senhora das Mercês. A estudante estava sem roupa, com os braços abertos e os pés cruzados, como se tivesse sido crucificada. Havia 17 perfurações pelo corpo. Todas feitas por uma faca. De acordo com as investigações, ela foi morta durante o jogo RPG, no qual os participantes interpretam seus personagens dentro de uma determinada história, como se eles fossem atores. Os três rapazes acusados pelo crime moravam em uma república, onde Aline ficou hospedada com a prima, Camila, e com uma amiga para participar da Festa do Doze [tradicional festa local realizada em 12 de outubro]. Na denúncia, aceita pela Justiça em 2004, a promotora destacou que os suspeitos eram usuários de drogas. A prisão preventiva do grupo foi decretada dois anos depois pelo Tribunal de Justiça, que alegou crueldade do crime. Mas os suspeitos acabaram soltos depois. Para a polícia, eles tentaram acobertar o crime tirando cartazes do jogo RPG do quarto, lavando as roupas usadas e limpando um dos cômodos com cloro. O MP acusou os três também de ameaçarem testemunhas" (citação daqui).
O julgamento deve se estender até o próximo sábado.
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