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quinta-feira, 2 de julho de 2009

DE POETAS E FANTASMAS (5)

FANTASIA E REALIDADE

É claro que estão misturadas, pois assim estão na própria vida; mas naquela cidade, envolta em neblina e velhos casarões, nunca se sabe ao certo o que é real, surreal ou fantástico...

Sobre um dos seus principais personagens, Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, sabe-se, com certeza, muito pouco, nem mesmo a data exata do nascimento do gênio do barroco mineiro: se 1728, 1730 ou 1738. Também nunca teria sido possível comprovar se ele era mesmo filho de um português e de uma escrava. Mas, principalmente, há grande controvérsia sobre a autoria de muitas das obras a ele atribuídas...

Recentemente, a historiadora ouro-pretana, Guiomar de Grammont, publicou livro no qual contesta a autoria de várias obras e mesmo a sua doença (Aleijadinho e o aeroplano: o paraíso barroco e a construção do herói colonial, Civilização Brasileira, 2008). Lembro-me de ouvir, há muitos anos, o antropólogo Darcy Ribeiro defender tese semelhante, dizendo que o genial artista era um negrão bonito, forte e mulherengo... (conheçam aqui o site do Museu Aleijadinho)

Segundo Guiomar o mito "
serviria à construção de uma identidade nacional, tanto política como artística." E quanto à questão da autenticidade: "Como o trabalho naquele tempo era coletivo, fica difícil saber quem fez o quê (...) Aleijadinho pode não ser uma só pessoa, mas o resultado do trabalho de diversos artistas do mesmo estilo" (citações daqui).















Imagem de Nossa Senhora das Dores (em detalhe à direita), considerada uma autêntica obra de Aleijadinho.



A poesia

Bárbara Heliodora ( c. 1758- 1819) foi esposa do grande poeta inconfidente Alvarenga Peixoto (aqui para uma rápida biografia). A ela é atribuída a autoria, altamente controversa, de apenas dois poemas: um soneto dedicado a sua filha, Maria Ifigênia, e os versos que abaixo reproduzo:

Conselhos a meus filhos

Meninos, eu vou dictar/As regras do bem viver,/Não basta somente ler,/É preciso ponderar,/Que a lição não faz saber,/Quem faz sabios é o pensar.

Neste tormentoso mar/D'ondas de contradicções,/Ninguem soletre feições,/Que sempre se ha de enganar;/De caras a corações/A muitas legoas que andar.

Applicai ao conversar/Todos os cinco sentidos,/Que as paredes têm ouvidos,/E também podem fallar:/Ha bixinhos escondidos,/Que só vivem de escutar.

Quem quer males evitar/Evite-lhe a occasião,/Que os males por si virão,/Sem ninguem os procurar;/E antes que ronque o trovão,/Manda a prudencia ferrar.

Não vos deixeis enganar/Por amigos, nem amigas;/Rapazes e raparigas/Não sabem mais, que asnear;/As conversas, e as intrigas/Servem de precipitar.

Sempre vos deveis guiar/Pelos antigos conselhos,/Que dizem, que ratos velhos/Não ha modo de os caçar:/Não batam ferros vermelhos,/Deixem um pouco esfriar.

Se é tempo de professar/De taful o quarto voto,/Procurai capote roto/Pé de banco de um brilhar,/Que seja sabio piloto/Nas regras de calcular.

Se vos mandarem chamar/Pâra ver uma funcção,/Respondei sempre que não,/Que tendes em que cuidar:/Assim se entende o rifão./Quem está bem, deixa-se estar.

Devei-vos acautelar/Em jogos de paro e tópo,/Promptos em passar o copo/Nas angolinas do azar:/Taes as fábulas de Esopo,/Que vós deveis estudar.

Quem fala, escreve no ar,/Sem pôr virgulas nem pontos,/E póde quem conta os contos,/Mil pontos accrescentar;/Fica um rebanho de tontos/Sem nenhum adivinhar.

Com Deus e o rei não brincar,/É servir e obedecer,/Amar por muito temer/Mâs temer por muito amar, /Santo temor de offender/A quem se deve adorar!

Até aqui pode bastar,/Mais havia que dizer;/Mâs eu tenho que fazer,/Não me posso demorar,/E quem sabe discorrer/Póde o resto adivinhar.


Terror real
Começou ontem o julgamento, em Ouro Preto, de 4 jovens acusados de assassinar a estudante Aline Silveira Soares, em 2001. O caso teve grande repercussão na época, ligado que foi a rituais de magia negra e ao jogo conhecido como RPG (rolling playing game).

"O corpo de Aline Soares foi encontrado em cima de um túmulo no cemitério da Igreja Nossa Senhora das Mercês. A estudante estava sem roupa, com os braços abertos e os pés cruzados, como se tivesse sido crucificada. Havia 17 perfurações pelo corpo. Todas feitas por uma faca. De acordo com as investigações, ela foi morta durante o jogo RPG, no qual os participantes interpretam seus personagens dentro de uma determinada história, como se eles fossem atores. Os três rapazes acusados pelo crime moravam em uma república, onde Aline ficou hospedada com a prima, Camila, e com uma amiga para participar da Festa do Doze [tradicional festa local realizada em 12 de outubro]. Na denúncia, aceita pela Justiça em 2004, a promotora destacou que os suspeitos eram usuários de drogas. A prisão preventiva do grupo foi decretada dois anos depois pelo Tribunal de Justiça, que alegou crueldade do crime. Mas os suspeitos acabaram soltos depois. Para a polícia, eles tentaram acobertar o crime tirando cartazes do jogo RPG do quarto, lavando as roupas usadas e limpando um dos cômodos com cloro. O MP acusou os três também de ameaçarem testemunhas" (citação daqui).

O julgamento deve se estender até o próximo sábado.
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quinta-feira, 21 de maio de 2009

DE POETAS E FANTASMAS (4)

Ouro feminino (1ª parte)

......................Para Maria Luiza, menina maluquinha


A histórica Ouro Preto, naturalmente, também foi feita por mulheres, de todos os tipos; mulheres de poetas, mulheres-poetas, mulheres-loucas, mulheres-lendas... A nova postagem da série (cliquem aqui para ler as anteriores) apresenta algumas dessas mulheres, que tiveram seus nomes definitivamente ligados à cidade.

Olympia Angélica de Almeida Cotta ou, mais simplesmente, Dona Olympia, é considerada por muitos a primeira hippie brasileira. Foi tema de música (Toninho Horta e Ronaldo Bastos), modelo para inúmeros fotógrafos e pintores e até enredo de escola de samba (Mangueira, 1990). Típica "louca de rua", viveu em Ouro Preto entre as décadas de 1950 e 1970 e usava roupas e chapéus coloridos e floridos, além de um inseparável cajado.

Célebre entre moradores, turistas e até políticos, dona Olympia gostava de contar histórias, nas quais fantasia e realidade se misturavam e não raro ela mesma figurava entre as personagens da Inconfidência ou nos saraus da Corte imperial no Rio de Janeiro. Também era famoso seu jeito sincero e enérgico, que amedrontrava alguns...

Conta a lenda que, nascida em rica família de Mariana (cidade vizinha a Ouro Preto), enlouqueceu por conta de uma desilusão amorosa: "'Ela era linda na juventude, muito bonita mesmo, e se apaixonou por um estudante de farmácia pobre. O pai, com medo de o rapaz estar tentando dar o golpe do baú, proibiu o romance. Tempos depois, ela resolveu se vestir de maneira excêntrica, vagando por aí, inventando casos. Um jeito de enfrentar o pai e a dor', explica a artista plástica Maria Efigênia Pereira, de 71 anos, cujo pai teria sido amigo do tal estudante de farmácia. Segundo a artista, depois da proibição, o casal passou 15 anos sem se encontrar. 'Um dia ele veio a Ouro Preto para o reencontro com colegas de faculdade. Houve uma comemoração e Olympia apareceu. Os dois começaram a chorar muito. Na semana seguinte, o homem morreu. Não agüentou de emoção'" (extraído daqui). Já Olympia só veio a falecer em 1976, aos 87 anos.


"Beco da Olympia"


A poeta
Elizabeth Bishop foi um dos nomes mais destacados da literatura em língua inglesa do século passado, sendo premiada, entre outros, com o Pulitzer Prize e o National Book Award. Viveu no Brasil cerca de 16 anos (décadas de 1950 e 1960), muitos dos quais em Ouro Preto, onde chegou a comprar uma casa (cliquem aqui para uma rápida biografia e aqui para um site completo dedicado à autora). Sua ligação com o Brasil, a princípio fortuita, acabou influenciando sua obra, segundo seus biógrafos e críticos. Foi também tradutora para o inglês de alguns dos mais importantes poetas e escritores brasileiros, como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira e Clarice Linspector, entre outros (cliquem aqui para uma lista completa de sua obra).

Conheço pouco a obra da escritora e suponho que o poema adequado à esta postagem fosse Under the Window: Ouro Preto, mas gostei muito de One Art. Na sequência trechos de ambos, traduzidos (por Maria Lúcia Milléo Martins e Paulo Henriques Britto, respectivamente):

Sob a Janela: Ouro Preto

"...A água corria das bocas
das três caras de pedra sabão. (Uma ria,
a outra chorava; a cara do meio apenas olhava.
Engessadas sem cuidado, agora estão no museu.)
A água corre de um único cano de ferro, um jorro
forte, como corda tenso. "Frio." "Frio como gelo"...

A Arte de Perder

"A arte de perder não é nenhum mistério;
Tantas coisas contêm em si o acidente
De perdê-las, que perder não é nada sério.
Perca um pouquinho a cada dia. Aceite, austero,
A chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Depois perca mais rápido, com mais critério:
Lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nada disso é sério.
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
Lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Tenho saudade deles. Mas não é nada sério.
- Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo) não muda nada.
Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser mistério por muito que pareça (Escreve!) muito sério. "


Casa de Bishop


Os fantasmas
Escolhi a lenda da Mãe-de-Ouro, na versão de Lavras Novas, um dos muitos distritos de Ouro Preto. A rigor, trata-se de lenda comum a praticamente todas as culturas, ligando-se ao chamado fogo fátuo, reação química típica de cadáveres humanos ou de outros animais.

No presente caso (como também em outras regiões mineradoras do Brasil) ganhou contornos específicos: a bola de fogo indicaria os locais onde se encontravam jazidas de ouro, mas que não deveriam ser exploradas, sob pena de ocorrerem perigos ou desgraças. Numa de suas variantes a bola de fogo se transformaria numa linda mulher, vestida de seda com os cabelos dourados esvoaçantes. Noutra, ainda mais curiosa, a tal mulher atrairia homens que maltratavam suas esposas, fazendo-os abandonar suas famílias, mas providenciando outro marido para a esposa maltratada...

A região de Lavras Novas é, atualmente, objeto de exploração turística, atraindo muitos visitantes por suas belezas naturais e séculos de história (mais aqui).


Vista do distrito de Lavras Novas



ATUALIZAÇÃO (24/05/09 ÀS 12:30 HS.)

Beth, moça baiana com um pé no mundo, inspirou-se nesse postinho para escrever um ótimo texto sobre a poeta/poetisa americana-canadense e outras gentilezas (leiam aqui). É reincidente essa nega; numa postagem dessa mesma série já havia respondido, com igual suavidade e criatividade de sobra (leiam aqui e aqui).

Thanks, Beth!

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terça-feira, 10 de março de 2009

DE POETAS E FANTASMAS (3)


Vista do altar-mor da Matriz de Nossa Senhora do Pilar

Mais que as "365 igrejas que a Bahia tem" (num cálculo algo exagerado de Caymmi), Ouro Preto se confunde com suas igrejas. Cada uma - e são muitas - com beleza e história próprias e estórias várias. A riqueza de seus interiores; o contraste com a sobriedade de sua arquitetura; a arte barroca, em conjunto sem similar no mundo; o papel das irmandades, presente ainda hoje; a profunda religiosidade de seu povo... são características da cultura e da formação dos mineiros, herdadas da antiga Villa Rica.

O novo post da série (leiam os outros aqui e aqui) trata um pouco das lindas igrejas de Ouro Preto.


O(s) poeta(s)

Escolhi dois poemas que abordam o tema. Dos poetas: Paulo Mendes Campos, belorizontino, escritor e jornalista, dividiu com Fernado Sabino, Oto Lara-Rezende e Hélio Pelegrino a obra da famosa geração de 45. O outro, da geração anterior e itabirano, dispensa apresentações...

Reza (Paulo Mendes Campos)

Nosso Senhor do Bonfim,
Não deixeis que Vila Rica tenha fim.
Nossa Senhora do Rosário,
Preservai o vosso relicário.
Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias,
Deitai o vosso olhar sobre estas pedrarias.
Nossa Senhora do Morro do Cruzeiro,
Tende misericórdia da pátria do mineiro.
São Francisco de Assis,
Arrebanhai as capelas todas e a matriz.
Nossa Senhora das Mercês e dos Perdões,
Rogai por Vila Rica em suas comoções.
São João Batista,

Abençoai vossa capela e seu artista.
São Sebastião,

Defendei a inocência da pedra-sabão.

Sant’Ana, Protegei a humanidade vila-ricana.
Nossa Senhora das Necessidades,

Protegei Vila Rica nas enfermidades.

Nossa Senhora das Dores,
Tende compaixão, nestes ares sujos, destas velhas cores.

Nossa Senhora da Piedade,
Atendei Vila Rica na hora da orfandade.
Nossa Senhora do Pilar,

Fazei de Vila Rica vosso altar.

Nossa Senhora do Rosário dos Pretos dos Alto da Cruz,

Conservai Ouro Preto, Vila Rica de Jesus.



São Francisco de Assis (Carlos Drummond de Andrade)

Senhor, não mereço isto.
Não creio em vós para vos amar.

Trouxestes-me a São Francisco

E me fazeis vosso escravo.

Não entrarei, senhor, no templo,

Seu frontispício me basta.

Vossas flores e querubins

São matéria de muito amar.

Dai-me, senhor, a só beleza

Destes ornatos.
E não a alma.

Pressente-se a dor de homem,
Paralela à das cinco chagas.
Mas entro e, senhor, me perco
Na rósea nave triunfal.

Por que tanto baixar o céu?

Por que esta nova cilada?
Senhor, os púlpitos mudos

Entretanto me sorriem.

Mais que vossa igreja, esta

Sabe a voz de me embalar.

Perdão, senhor, por não amar-vos.


O(s) causo(s) de fantasma

Como seria de se esperar, grande parte das lendas e causos assombrosos ligados à cidade, tem origem na fé católica e nos períodos da quaresma e Semana Santa. Segue texto, daqui, adaptado de “Tesouros, fantasmas e lendas de Ouro Preto”, de Angela Leite Xavier.

"Uma lenda diz que, debaixo da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, existe muito ouro. Dizem até existir um túnel debaixo dela que vai dar no Morro da Queimada. Por ele, os escravos de Paschoal da Silva Guimarães teriam tentado salvar o ouro de seu senhor quando o morro foi queimado por ordem do Conde de Assumar. Muitos escravos teriam morrido lá embaixo em conseqüência dos desabamentos. Por isso, até hoje, ouvem-se suspiros profundos das almas penadas daqueles mortos. Na verdade existe uma boca de mina debaixo da igreja. Ela foi descoberta por ocasião da restauração da igreja. Os homens desceram pelo porão, batendo o rosto nas muitas teias de aranha e afundando os pés na camada fofa de pó que cobria o chão. Deram com a boca da mina mas, em condições muito precárias, o que impediu o acesso ao seu interior.

Uma vez, tarde da noite, um cônego foi chamado para dar assistência a um doente muito mal em seu leito. O religioso foi até a Igreja do Pilar buscar o viático para ministrá-lo ao enfermo. Dentro da igreja estava um seu irmão de ordem, desconhecido, ajoelhado, rezando. Como as portas estavam trancadas, o vigário não entendeu como o desconhecido havia entrado lá e perguntou a ele. Surpreso, ouviu-o dizer que morava ali mesmo. Em seguida, desapareceu, deixando o cônego de boca aberta.

Antigamente havia uma fábrica de pigmentos naturais perto da Capela da Piedade. Toda aquela região é rica em pigmentos de vários tons, muito usados, antigamente, nas pinturas artísticas e de casas.

Havia um senhor que era fiscal daquela fábrica e ia lá todos os dias fazer o seu trabalho. O local era deserto, não havia nenhuma casa nas redondezas, apenas a capela e o galpão das tintas.

Uma tarde quente de sol, estava ele dirigindo-se à fábrica, como sempre fazia. Quando passou próximo ao adro da capela, avistou um padre aproximando, com aquela batina preta cheia de botões, chapéu preto, vindo dos lados do Padre Faria. O padre caminhava rapidamente, de cabeça baixa, em direção à porta da capela.

O fiscal da fábrica tentou se aproximar para conversar com o padre. Então aconteceu o inesperado. O padre desapareceu bem na porta da capela. O pobre homem ficou atônito.

Esse fato voltou a acontecer muitas outras vezes, presenciado pelo mesmo fiscal. O padre, andando apressado e desaparecendo na porta da capela de Nossa Senhora da Piedade.

Muitas igrejas em Ouro Preto têm mistérios ainda não desvendados. Na Igreja do Rosário, podem-se ouvir, à noite, tambores e cantos maravilhosos. Ao ouvir esse som, muita gente, vencendo o medo, costuma encostar a cabeça nas paredes de pedra e ficar assim por muito tempo, apreciando a beleza daquela música misteriosa.

Também na Igreja de São Francisco de Assis, muitos já ouviram gemidos e arrastar de correntes, em plena madrugada. Também foi visto no interior do templo, um irmão com hábito preto, rezando o breviário.

Dentro da Igreja do Carmo, ouve-se um arrastar de chinelos. Dizem que é Maria Chinelaque assombrando. Ela era uma preta velha que limpava a igreja e estava sempre arrastando seus chinelos pelas ruas de Vila Rica.

No interior da Igreja de Santa Efigênia, ao meio-dia, estando a mesma fechada, ouviu-se conversa de negros Mina, com seu sotaque característico. As vozes vinham da capela- mor.

Muitas vezes, à noite, velas acesas foram vistas sobre as campas do cemitério da Capela de Nossa Senhora das Dores.

A Igreja de São Francisco de Paula, muito antes de possuir iluminação elétrica, foi vista toda iluminada, brilhando na noite escura.
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A música

Se o valor cultural da arte barroca de Ouro Preto é sobejamente reconhecido, inclusive em termos internacionais; o mesmo não se pode dizer das letras, efeito provável da pouca difusão do idioma português. Mas o que pouca gente sabe é que também a música feita naquele período é muito admirada e tocada, no mundo todo. Este feito deveu-se, mais uma vez, a um estrangeiro: é ao musicólogo alemão Curt Lange, que se tributa o garimpo e a descoberta de velhas partituras perdidas de autores barrocos. Os mais importantes compositores dessa época foram Manoel Dias de Oliveira, Marcos Coelho Neto, Joaquim Emérico Lobo de Mesquita e o Padre José Maurício Nunes Garcia. Desses quatro, apenas o último não é filho das terras de Vila Rica ou de seus domínios.

Abaixo vídeo com imagens de Ouro Preto sob a "Magnificat", de Manoel Dias de Oliveira.

domingo, 11 de janeiro de 2009

DE POETAS E FANTASMAS (2)

Segundo da série (iniciada aqui), espero que gostem do tema, pois acho que postarei mais 3 ou 4 e ainda sobrarão muitos poetas, causos e belezas de Ouro Preto...

O poeta
Alphonsus de Guimaraens (1870-1921), poeta ouro-pretano considerado um dos maiores representantes do Simbolismo no Brasil, foi promotor de justiça no Serro e juiz em Mariana, onde morreu. Também considerado o mais místico dos poetas brasileiros "tratou em seus versos de amor, morte e religiosidade. A morte de sua noiva Constança [filha do poeta Bernardo Guimarães], em 1888, marcou profundamente sua vida e sua obra, cujos versos, melancólicos e musicais, são repletos de anjos, serafins, cores roxas e virgens mortas." [citação daqui]

Suas obras completas só foram publicadas em 1960, das quais destaco os versos que seguem.

Ossa Mea
II

Mãos de finada, aquelas mãos de neve,/ De tons marfíneos, de ossatura rica,/Pairando no ar, num gesto brando e leve,/Que parece ordenar mas que suplica.
Erguem-se ao longe como se as eleve/Alguém que ante os altares sacrifica:/Mãos que consagram, mãos que partem breve,/Mas cuja sombra nos meus olhos fica...
Mãos de esperança para as almas loucas,/ Brumosas mãos que vêm brancas, distantes,/ Fechar ao mesmo tempo tantas bocas...
Sinto-as agora, ao luar, descendo juntas,/ Grandes, magoadas, pálidas, tateantes,/Cerrando os olhos das visões defuntas...

Foto de Alphonsus de Guimaraens
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O causo
Por conta da existência da UFOP - Universidade Federal de Ouro Preto e seus afamados cursos de engenharia e mineralogia, Ouro Preto é também uma cidade de estudantes, em geral egressos de outros locais e que moram nas diversas repúblicas espalhadas pela cidade. O causo de hoje vem de uma delas (república Quitandinha) e foi contado pela jornalista Neide Magalhães (leiam matéria completa aqui).

"Um dia, uma turista encontrou uma velha senhora no primeiro piso da república, com quem conversou longamente. Ao perguntar-lhe se era parente de algum dos moradores, seu nome e onde morava, a mulher lhe disse que era muito amiga de Bernardo Guimarães (poeta e romancista mineiro, que morreu em 1884) e que morava logo ao lado da casa. A moça subiu e comentou com os estudantes que tinha conhecido uma senhora muito educada no primeiro andar e tudo o que ela lhe dissera. Foram ver quem estava lá e não encontraram ninguém. Outro se lembrou que Bernardo Guimarães era um poeta ouro-pretano, que já havia morrido há muito tempo e estava enterrado no cemitério da igreja [de São José]. Ao seu lado, o túmulo de uma mulher com o mesmo nome que a turista dissera. Quando a moça soube da história, juntou suas coisas e nunca mais voltou à república. Dizem até que ela nunca mais voltou a Ouro Preto."

Igreja (e cemitério) de São José, em Ouro Preto
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A música
Não sei bem por que, mas achei que a "Bachianinha n° 5", de Villa-Lobos, combinaria com esse post. Uma certa tristeza ou melancolia, talvez...
Esta composição é, certamente, a mais conhecida e gravada do maior compositor brasileiro de todos os tempos. Escrita para soprano e oito violoncelos, clara e intencionalmente inspirada na famosa "Ária da Quarta Corda" (ou "Air on a G String"), de Bach; teve nas divas Bidu Sayão e Maria Lúcia Godoy (a "Patativa de Minas") suas maiores intérpretes.
São 2 movimentos, mas o mais conhecido é a Ária (Cantilena) - Adágio, que recebeu letra de Ruth Valadares Correa (muitas vezes atribuida a Manuel Bandeira) e é belíssima também, pelo que abaixo a reproduzo. .

Ária (Nuvem rósea)

Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente/ cruza no espaço sonhadora e bela/ Surge no infinito a lua docemente/ enfeitando a tarde qual meiga donzela/ que se apressa a linda sonhadora mente/ em anseios d'alma para ficar bela/ grita o céu, a terra, toda a natureza/ cala a passarada aos seus tristes queixumes/ e empresta ao mar toda a sua beleza/ Suave a luz da lua desperta agora/ a cruel saudade que ri e que chora/ Tarde uma nuvem rósea lenta e transparente/ cruza no espaço sonhadora e bela.
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Há dezenas de versões disponíveis na web ("oiçam" aqui na linda voz de Maria Lúcia Godoy e aqui na de, em minha opinião ainda insuperável, Bidu Sayão). Gostei muito desta que segue abaixo, com violão e voz apenas. Infelizmente não posso dar os créditos...

Villa Lobos - Bachiana 5

sábado, 29 de novembro de 2008

DE POETAS E FANTASMAS (1)


Fonte Marília de Dirceu

Pediram-me para escrever sobre Ouro Preto, cidade declarada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO, pequena jóia barroca encravada no Itacolomi, berço de grandes heróis e artistas, orgulho e raíz mais profunda das Minas e dos aqui nasceram.
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Não tenho esta competência. Não porque não a conheça. Apesar de não visitá-la por mais de um quarto de século, conheço-a bem; suas ladeiras, seu frio cortante, seus indescritivelmente belos casario e igrejas. Quando criança e jovem, fui muitas vezes à antiga Villa Rica. Das festas de aniversários de familiares (que costumavam durar uma semana), das festas religiosas anuais, dos festivais de inverno; recordo-me bem.

Naquele tempo, ao longo da década de 70, a cidade vivia sua mais profunda decadência; o que só não ocorreu de maneira definitiva, porque a sociedade mineira exigiu e conseguiu restaurá-la e preservá-la, não sem muita luta. Hoje é uma cidade turística, na melhor acepção da palavra, com a oferta de equipamentos e atrações (inclusive de turismo cultural) que não ficam nada a dever à cidades similares no resto do mundo (informações aqui, aqui e aqui).

Mas não sou capaz de, em um ou vários posts, descrever toda a sua importância histórica e cultural. Ouro Preto não é propriamente uma cidade, mas um portal aberto para o passado, que também não é um passado qualquer: a política, a engenharia, a arquitetura, a música, a literatura e as artes plásticas mineiras e brasileiras; todas elas, beberam - e muito - naquelas fontes.

Além deste, pretendo escrever mais um ou dois posts, restringindo-me, porém, a dois aspectos que considero relevantes do ponto de vista pessoal: seus poetas e suas lendas. Não são poucos, em ambas as vertentes. Muitos foram os poetas que nasceram, viveram ou simplesmente escreveram sobre a cidade. E a coleção de fantasmas, lendas e mitos é outro capítulo à parte. Sua fama fantasmagórica, ampliada pelos cenários que ali se descortinam, vem desde, pelo menos, a Conjuração Mineira: ainda hoje há quem sustente que o fantasma de Cláudio Manuel da Costa percorre os salões da Casa dos Contos, antiga cadeia tranformada, atualmente, em museu.

Casa de Cláudio Manoel da Costa, onde se reuniam os poetas inconfidentes

Segue, abaixo, o poema que Olavo Bilac (o chamado "Príncipe dos Poetas Brasileiros"; um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras; autor , entre outros, de "Profissão de Fé" e "Via-Láctea" e que escondeu-se em Ouro Preto durante perseguição política que sofrera no início da República) , dedicou à cidade:


VILA RICA

O ouro fulvo do ocaso as velhas casas cobre;/Sangram, em laivos de ouro, as minas, que a ambição/Na torturada entranha abriu da terra nobre/E cada cicatriz brilha como um brasão.

O ângelus plange ao longe em doloroso dobre./O último ouro do sol morre na cerração./E, austero, amortalhando a urbe gloriosa e pobre,/O crepúsculo cai como uma extrema-unção.

Agora, para além do cerro, o céu parece/Feito de um ouro ancião que o tempo enegreceu.../A neblina, roçando o chão, cicia, em prece,

Como uma procissão espectral que se move.../Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu.../Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.

Tomás Antônio Gonzaga


Já o causo de fantasma, vem das minhas memórias de infância em Ouro Preto. A casa que frequentava, como tantas outras na cidade, era um sobrado de dois andares. Dois para cima, diga-se. Porque abaixo do nível da rua (uma daquelas enormes pirambeiras em curva), havia outros 3 níveis, no passado destinados, provavelmente, a escravos ou depósitos. E o mais interessante eram as paredes internas da casa: duplas, formando um labirinto extraordinário para as brincadeiras infantis ou para assustar os mais incautos. Era possível, por exemplo, "entrar" por uma parede de uma das salas no térreo e sair num dos quartos do segundo andar.

Não sei se com o intuito de evitar que as crianças abusassem desse artifício, mas lembro-me que os adultos nos contavam uma estória de uma antiga moradora da casa. Consta que seria muito bonita e tivera um desencanto amoroso ainda bem jovem. Consternada, passava as tardes debruçada sobre o peitoril da janela do seu quarto, na companhia apenas de uma flor, que ora não me recordo a espécie. Vindo a falecer pouco tempo depois da desilusão, contavam-nos que era comum, ao se abrir a janela do tal quarto, exalar-se um forte perfume da flor preferida da donzela...
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ATUALIZAÇÃO (30/11/08 às 1:10 hs.)
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Beth, a moça da Barca, da Vela e do Mar, a quem dediquei esse postinho, retribuiu com um texto delicioso e mais um dos seus belos desenhos. Vejam aqui.
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ATUALIZAÇÃO (30/11/08 às 16:30 hs.)
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E por falar em rosa na janela, tinha resolvido terminar o postinho com a linda "Modinha", de Sérgio Bittencourt (filho do grande Jacó do Bandolim), na bela voz de Taiguara. Mas só achei um clipe muito mequetrefe no (chat)YouTube...
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Assim, decidi estrear meus talentos de videomaker. Ficou bem ruinzinho também, mas acabei encontrando umas belas imagens de Ouro Preto... [todas as imagens foram devidamente surrupiadas da web. Se alguém se sentir prejudicado é só me avisar que retiro a correspondente. Ou então me processe... rsss].